domingo, 28 de agosto de 2016

Quando a qualidade desce e o preço sobe

Dizer que os livros são caros em Portugal já é tão banal que nem vale muito a pena repetir essa ideia. Agora, que os livros sejam caros e venham pejados de gralhas já me parece grave e um evidente desrespeito para com o leitor, esse ser “pagante” que vai permitindo às editoras continuarem vivas e que só quer ler o seu livro em paz, sossego e sem trocas de grafemas, letras em falta, hífens a mais e outras coisas do género.

Os livros são caros e, mesmo saindo da gráfica a um preço baixíssimo, é sempre preciso pagar a muita gente, o que, inevitavelmente, aumenta o seu preço. Isso faz com que, possivelmente, compremos menos ou optemos por comprar livros usados ou pelos sistemas de trocas. Podemos mesmo não comprar nada e ir à biblioteca requisitá-los. Mas uma coisa de que ninguém se pode esquecer, ainda que se esqueça do facto de os livros serem cada vez mais caros, é que estes são veículos de cultura. É com os livros que aprendemos, seja no ensino formal, seja nas aprendizagens de toda a vida feitas no recanto das nossas leituras, nascidas do trilho que fazemos pela nossa própria biblioteca. Assim, se são fonte de ensinamento, de riqueza cultural, de transmissão de saberes, se procuram espicaçar-nos a curiosidade e levar-nos a outros livros, se até nos aumentam o vocabulário, é bom que venham em bom estado. E note-se que quando digo “em bom estado” não me refiro a uma capa sem vincos nem a páginas sem manchas e dobras: refiro-me a um conteúdo bem peneirado de maneira a que nenhum grão estragado entre onde não deve. Pagar vinte e cinco euros por um livro de uma colecção bastante conceituada, saído de uma editora que nem sequer é um grande grupo editorial que publica em modo aviário, é a-b-s-o-l-u-t-a-m-e-n-t-e- doloroso, todavia (e paradoxalmente) acontece demasiadas vezes para o meu gosto. Já li grandes autores em edições pejadas de gralhas. Em alguns casos jurei nunca mais comprar livros de tal editora, mas noutras situações esta desilusão foi surpreendente por ser inesperada em determinada chancela. Uma gralha ou duas num livro inteiro podem perfeitamente acontecer, contudo mais do que isso é falta de cuidado e de respeito, mais ainda quando depois não têm problema nenhum em pedir duas ou três dezenas de euros pelo livro.

Quando entrei na Faculdade de Letras percebi rapidamente que o curso escolhido era daqueles que implicava a leitura de muitas obras literárias. Fotocopiá-las deixou de ser opção quando vi o ridículo que era andar com clássicos da literatura em encadernações medonhas para as quais não mais olharia depois de concluída a cadeira em questão. Também rapidamente aprendi a distinguir as “boas” das “más” editoras. Fugimos de algumas e aprendemos a gostar de muitas outras. Infelizmente a crise (creio eu, embora comece a achar que ela tem as costas largas) transformou a figura do revisor numa espécie de luxo que se pode evitar. Não acredito que estes livros cheios de gralhas passem pelo crivo de um leitor treinado para corrigir estas deficiências no texto. No entanto, pedem-nos o mesmo preço que pediam quando os livros eram feitos com cuidado ou, talvez, até tenha aumentado um bocadinho. 

É muito frustrante e não há desculpa para que isto ainda aconteça. Se se abdica de revisão, então que se baixe o preço do livro, pois não há a garantia de que a edição tenha qualidade suficiente para custar vinte ou trinta euros. No entanto, parece-me que as editoras querem o melhor dos dois mundos e do outro lado está um leitor farto de ler “urna” em vez de “uma”, “o” em lugar de “a” e “com-prava” em vez de... Bah, acho que já perceberam a ideia.

2 comentários:

  1. Pois. É basicamente isso. Sem dúvida que nos últimos 10-15 anos, o preço dos livros aumentou de forma assustadora, na sua generalidade. Com o cinema e as séries, aos quais cada vez vamos tendo maior acesso (agora não é só nos cinemas e nos 4 canais generalistas da tv, mas com a internet, onde tudo está ao alcance de qualquer um à distância de um clique), o mercado livreiro sofreu um relativo boom de publicações que, de outra forma, nunca ocorreria. Mas, se por um lado, ter mais variedade é bom, também reparo que os livros com maior tiragem e mais publicitados, são aqueles que dão maior receita e, na maioria das vezes, os mesmos que oferecem menos conteúdo. Ora como disseste, e bem, as editoras visam o lucro, e quanto mais, melhor.
    Com isso, ocorreu o fenómeno da multiplicação de chancelas e/ou das "editoras de autor", que nada mais são que intermediários de impressão, uma vez que os serviços de revisão e edição de texto, por exemplo, são pagos à parte e passíveis de orçamento. Ora, um autor que já tem que pagar para ser editado/impresso, não se vai dar ao luxo de desembolsar por serviços extra. Ainda, há os casos em que (e isso já me aconteceu), a editora quer editar um livro estrangeiro o mais rápido possível em Portugal que, nos dois meses em que um calhamaço de 600 páginas foi disponibilizado ao público, muitos foram os atropelos à tradução e revisão de texto.
    E é o que temos. Se o leitor não quiser ser pagante, não paga. Mas também não lê (a não ser que não se importe de ter uma biblioteca quase exclusivamente composta por edições digitais piratas no seu e-reader).
    ****

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    1. Isso que dizes da pressa em editar um livro estrangeiro também é verdade. O livro sai lá fora, tem grande potencial e é preciso traduzi-lo e publicá-lo. A pressa é tanta que reina a falta de cuidado. O livro A História Secreta, por exemplo, que li no ano passado, tem uma excelente história completamente maculada pelas gralhas. É verdade que que não quer não paga, mas a vontade de ler fala quase sempre mais alto. E as editoras vão ganhando com isso.

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