segunda-feira, 17 de junho de 2013

Grandes amores e enormes saberes

O Expresso está a fazer uma lista das cem pessoas que moldaram o século XX em Portugal. Como tal, a revista do semanário sairá, no primeiro sábado de cada mês, com pequenas biografias de vinte e cinco dessas personalidades. Ao ler a revista que saiu no dia 1 de Junho, deparei-me com o nome de Adelaide Cabete, sobre quem sabia muito pouco (apenas o que uma série de televisão sobre a implantação da República conseguiu mostrar). Fiquei a saber mais qualquer coisa sobre essa senhora através desta pequena biografia da autoria de Anabela Natário. Li sobre uma grande mulher, sobre a sede de saber e de fazer, mas, também, sobre um grande amor. Deixo-vos um excerto deste texto.

"Sobreviveu, menina, trabalhado a dias em casas afortunadas, aprendendo por si a ler e a escrever, até se apaixonar por um homem fora do comum. Filha de operários, nascida a 25 de Janeiro de 1867 em Elvas, Adelaide de Jesus Damas Brazão casou-se aos 18, concluiu a instrução primária aos 22, terminou o liceu aos 29, e licenciou-se em medicina aos 33. Republicana, feminista, maçona, lutou pelos direitos das mulheres, das crianças, dos pobres, dos animais... Lutou por uma sociedade equitativa e saudável.

Quando o pai morre, passa a ajudar a mãe na pequena e artesanal unidade fabril de secagem da ameixa. Um dia, enquanto apanha e escolhe os frutos que secarão ao sol para serem comercializados, Adelaide conhece Manuel Ramos Fernandes Cabete, de 36 anos de idade.

Uma gramática é o primeiro presente que recebe do marido, um homem que aceita partilhar as tarefas domésticas para que ela tenha tempo. Não é rico, mas possui umas propriedades que vende para suportar os estudos da mulher. Ela não desperdiça o esforço e licencia-se na Escola Medico-Cirúrgica de Lisboa.

[...] Quando um dia lhe perguntaram qual tinha sido o acontecimento mais importante na sua vida, candidamente respondeu: "o meu marido"." [sublinhado meu]

Numa época em qua às mulheres só estava destinada a lida da casa, é extraordinário ver que havia homens como o marido desta senhora, capazes de perceber o talento e a capacidade das mulheres, de trabalhar no sentido de as levar a cumprir os sonhos e a realizarem-se. Achei fantástico que o primeiro presente para ela tenha sido uma gramática. Nem jóias, nem flores, nem nenhum outro cliché: um livro e não um livro qualquer, mas aquele que reúne as regras do uso da nossa língua. É extraordinário!

Em tempos como estes que agora vivemos, nos quais muitos não valorizam o conhecimento, é interessante ver como noutras épocas, mais duras e de mentalidades mais fechadas, existiu quem por ele lutasse de forma exemplar. Mais: é admirável perceber que, apesar das ideias vigentes que atiravam a mulher para um lugar invisível da sociedade, havia homens com visão suficiente para perceber o potencial do estupidamente chamado "sexo fraco" Adelaide Cabete terá sido uma importante personalidade do século XX português, mas o seu marido, pelo pensamento moderno que evidenciou, não o terá sido menos. 

2 comentários:

  1. Gostei muito! Realmente é bom conhecer a história deste casal.

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    1. Achei muito interessante. Há histórias fantásticas e a desta senhora é uma delas.

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