domingo, 2 de setembro de 2012

Ele Foi Mattia Pascal: o balanço

Durante estes dias em que andei por outras terras, acabei de ler o livro Ele Foi Mattia Pascal, de Pirandello. Honestamente, gostei muito mais de ler o Um, Ninguém e Cem Mil, embora este romance também conte uma história interessante. Por razões peculiares, Mattia Pascal é um dia dado como morto, tornando-se assim possível recomeçar uma vida nova, com um novo nome e longe de tudo o que o atormentava. Contudo, aquilo que inicialmente parecia uma liberdade sem limites, rapidamente se verificou como sendo a mais cruel das prisões. Pirandello, que nos seus textos evoca sempre temas sobre os quais importa reflectir, leva-nos a pensar no quão enganados andamos ao imaginar que é possível cortar amarras e recomeçar. Mostra-nos, no fundo, que é impossível apagar de forma perfeita o passado e que é muito difícil não regressar a ele. Mattia Pascal ainda vive alguns anos sob uma outra identidade, convivendo bem e mal (depende das circunstâncias) com a sua «morte». Porém, apercebe-se rapidamente de que para poder viver realmente terá de matar também a sua nova identidade. É paradoxal: para poder libertar-se, terá de voltar a prender-se à antiga identidade. Assim, a oportunidade de liberdade que uma nova vida após uma suposta morte poderia trazer é apenas um sonho: muito mais castradora e limitada do que a vida normal, é a que é vivida marginalmente, escondendo um segredo. Mattia Pascal, que, depois de supostamente morto, goza uns tempos de alegria pela falta de amarras ao que quer que seja acaba por ver-se mais privado de liberdade do que anteriormente, quando todos ainda o viam como Mattia Pascal. E desenganem-se os que pensam que ele o perceberá depois de grandes reflexões filosóficas, de muito tempo de meditação sobre as questões da identidade, do livre arbítrio e de outros aspectos. Não. Mattia Pascal conclui-o ao ver-se privado de direitos tão simples quanto o de chamar as autoridades após ser roubado, ou como o de se poder apaixonar e casar com uma mulher de quem gosta. Não poder apresentar documentos que comprovem quem é, não poder apresentar um passado verdadeiro e impossível de contestar transtorna muito mais a existência do que poderíamos pensar. Por isso, ao lermos este livro, temos uma sensação que me parece habitual durante a leitura de obras deste autor e que se resume na frase «Ah, nunca tinha pensado nisto, mas faz sentido».
 
Foi uma leitura interessante que creio que muitos poderão apreciar até porque, como é comum em Pirandello, está escrita com muito humor, levantando ainda pontos de reflexão interessantes sem que o texto se torne aborrecido ou cansativo. Vale a pena ver como situações simples do quotidiano conseguem matar não só os sonhos mais complexos, mas também a crença utópica de que é sempre possível deixar completamente tudo para trás e recomeçar novamente.

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