quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Olhando para livros IX

14. Livro clássico favorito

Mas há alguém que não seja capaz de adivinhar o título que aqui deixarei? Não me parece. Já falei dele antes e é sempre a este livro que acabo por regressar: Dom Quixote de la Mancha. O curioso é que durante muitos anos, e por influência dos preconceitos literários da minha mãe, também eu considerei que este livro devia ser a coisa mais aborrecida de ler. Um dia saiu de forma gratuita com um jornal por ser o primeiro de uma colecção que se iria iniciar e, claro, aproveitei a oportunidade para ter mais um livro na estante. Por curiosidade li o prólogo e rendi-me. A mestria com que Cervantes fala da produção literária, a graça com que o faz ainda antes de iniciar o seu romance são para lá de encantadoras. Depois chegamos ao famoso primeiro capítulos e à dúzia de palavras mais famosa da literatura: "En un lugar de la Mancha, de cuyo nombre no quiero acordarme...", e travamos conhecimento com aquela personagem que tem tanta loucura na sua sensatez e tanta sensatez na sua loucura, que quer melhorar o mundo, mas que quer fazê-lo pela palavra ou com armas anacrónicas, e depois com Sancho Pança, o homem que se quixotiza e que aprende a amar aquele em quem inicialmente viu a garantia de riqueza. E isso muda-nos. A mim mudou-me enquanto leitora e mudou-me a vida. O Quixote é, para mim, o melhor dos livros e fascina-me que aquele autor (que nem sequer escrevia propriamente bem, já que era medonho com a pontuação e outros detalhes) tivesse tantas e tão boas ideias, colocasse na boca das suas personagens palavras tão sensatas que parecem dos nossos dias (o discurso sobre a liberdade, sobre a necessidade de os pais amarem os filhos, independentemente das suas escolhas, sobre o direito das mulheres em não terem de aceitar qualquer um que as queira sem que elas o queiram também apenas para depois não serem apelidadas de cruéis são apenas alguns exemplos). É uma obra do início do século XVII, escrita em boa parte ainda no século anterior, mas que tem muitas ideias e valores de hoje. É absolutamente brilhante e, tal como é dito no título de um livro que por aí anda, ninguém deve viver sem ter lido o Quixote.


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