quarta-feira, 26 de maio de 2021

A Menina Sugere Isto XLIII

Quantos dos leitores que me seguem desse lado podem dizer que nunca passaram por uma fase em que parece que todos os livros que leem são extraordinários? Infelizmente, o contrário também acontece e há alturas em que temos um dedinho mágico para só escolhermos livros que não nos enchem as medidas. Aproveitemos, pois, as marés de sorte já que a sensação de descobrir um bom livro e de passar com ele horas muito gratificantes é inigualável. 

Este ano tenho tido muita sorte e, embora ainda não tenha lido tantos livros quanto gostaria, aqueles que li foram boas surpresas. A descoberta de Kazuo Ishiguro marcará certamente o meu ano 2021. Agora posso juntar-lhe a descoberta da prosa magnífica de Maggie O’Farrell. 

Foi num dos episódios do podcast de The Book Review, do The New York Times, que ouvi falar do livro que se segue. As palavras da anfitriã, Pamela Paul, foram tão elogiosas que numa recente campanha do grupo editorial 2020 encomendei o livro Estou Viva, Estou Viva, Estou Viva. Li-o e rendi-me: já chegaram cá a casa mais três livros de Maggie O’Farrell, um deles é o recente Hamnet



Evocando dezassete momentos da sua vida em que viu a morte de perto, Maggie O’Farrell mostra ao leitor a volatilidade da vida, levando-o também a refletir sobre os seus próprios momentos decisivos. Cada história é antecedida de um separador que refere a parte do corpo que foi alvo de um golpe ou de uma doença potencialmente fatal. As histórias vão desde a encefalite que quase a levou aos oito anos, ao assalto de que foi vítima no Chile, passando pelo encontro com um homem que mais tarde se verificou ser um assassino, e pelo parto dificílimo do seu primeiro filho, no qual aprendeu a importância do toque, ensinamento que nunca mais esqueceu. São dezassete situações em que Maggie O’Farrell se sentiu em perigo e que nos tocam profundamente não apenas pelos próprios acontecimentos que descreve, mas pela beleza da prosa, pela escolha das palavras, pelas imagens que com elas queria. O capítulo em que fala das vezes em que a alegria por estar grávida deu lugar ao pesadelo de ter dentro de si um bebé que não chegará a viver deixou-me à beira das lágrimas. O modo como ela analisa, à luz da sua dor, essas perdas é tão pungente, tão pessoal que é impossível não partilhar a sua dor. Aqui entra aquela ideia de que toda a literatura é mentira, na medida em que o que a autora me transmite não é o que sentiu e também não é o que eu vou sentir e imaginar ao ler. Porém, o relato do seu sofrimento está tão bem feito que eu, que nunca passei por tal situação, dei por mim a pensar que sim, que só podia ser aquela a sensação provocada por tais perdas. Não pode ser outra coisa. E o murro no estômago foi imenso. Para mim, essa foi a prova de que tinha nas mãos um bom livro. Um excelente livro. 

Alguns podem achar que o tema é demasiado negro, que os tempos pedem leituras mais animadas. Pode ser. A morte fere-nos. Assusta-nos. A nossa morte e a dos que amamos (talvez até mais esta última, paradoxalmente). Mas ela existe e, é tão verdade que chega a ser clichê, é o que de mais certo temos. Ao longo dos nossos dias, vamos estar mais ou menos perto dela. Talvez não percebamos logo, talvez só mais tarde, mais velhos, mais capazes de perceber o que aconteceu, consigamos ler as situações por que passámos e compreender que foi por pouco. Mas todos estivemos, em algum momento, em perigo. Eu, por exemplo, nasci com o cordão umbilical enrolado no pescoço e a minha mãe teve de ser sujeita a uma cesariana de urgência. Em tempos, de fones nos ouvidos (algo que nunca mais usei na rua), pus o pé numa estrada que conhecia bem, justamente quando um autocarro ia a passar. Foi uma mão que me puxou para trás. Salvou-me a vida. Já me agarraram numa caixa multibanco e eu, estupidamente, resisti ao assalto. Não me levaram nada, mas lembro-me perfeitamente daquele momento em que me passou pela cabeça que, se o ladrão tivesse uma faca, eu morreria ali. Ainda assim, resisti. E se pensar mais um pouco, chegarei certamente a outros momentos. Infelizmente, não tenho nem um um décimo do talento de Maggie O’Farrell para descrever e analisar essas circunstâncias em que o fio da vida ficou mais frágil e quase se partiu. Deixo-vos, portanto, para que possam ler este livro maravilhoso, desfrutando de cada palavra, de cada ideia, de cada memória, sentindo no estômago o mesmo murro que eu senti, sentindo na pele o mesmo arrepio. 

Boa leitura. 

Nota: Amanhã, dia 27 de maio, a Wook vai fazer uma promoção: 20% de desconto em todos os livros, incluindo novidades. Leiam as condições e aproveitem, quem sabe, para comprar este Estou Viva, Estou Viva, Estou Viva e garantir um bom livro para os feriados que se avizinham. 









1 comentário:

  1. tenho o "i am, i am, i am" em ebook, e o hamnet físico, ambos para ler, e cheia de vontade de pegar neles...

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