sábado, 23 de junho de 2018

Casos do Beco das Sardinheiras - o balancito


Mário de Carvalho é, actualmente, um dos autores que mais recorre ao humor nos seus livros. Não à piada fácil e despropositada, mas a um humor que atravessa a linguagem e as situações vividas pelas personagens. Além de criar enredos interessantes, além de saber imenso sobre a escrita de ficção e de termos muito que aprender com ele, dota boa parte dos seus livros de uma boa disposição que de vez em quando faz falta.

Estes Casos do Beco das Sardinheiras estão cheios de situações inusitadas, risíveis e marcadas por personagens que recorrem a uma linguagem popular reproduzida com enorme mestria. O Beco, é-nos dito no início, poderia ficar ali para os lados de Alfama. Ora, tratando-se de um beco, o espaço destes contos é relativamente pequeno e habitado por uma população que se conhece entre si desde há muito. As peculiaridades de cada um são muitas vezes apontadas nos próprios nomes das personagens (como o «Zé Metade», a quem falta uma parte do corpo). Mas o beco é tão especial que nele acontece de tudo: desde um marco do correio de onde saem pessoas que entraram num buraco no Cais do Sodré e aparecem ali, até ao surgimento de um instrumento musical que suga coisas como paredes de casas, passando por um padre inventor que faz nascer cornos de carneiro num grupo de beatas...

Enfim, o autor cria a anormalidade num espaço tão restrito, tão familiar que não se esperaria encontrar ali nada de estranho. Mas acontece e ainda bem porque as situações são tantas e tão divertidas que só podemos agradecer a existência de um beco lisboeta onde tudo parece ser possível. Até «confundir género humano com Manuel Germano»*, coisa que nunca está bem.

*Tal expressão perpassa todo o livro e faz parte da linguagem dos habitantes do beco. É uma brincadeira de sons semelhante às brincadeiras entre a realidade e a ficção feitas pelo autor.

4 comentários:

  1. Adoro as capas dos livros deste autor, mas nunca me tinha decidido a ler/adquirir nenhum. Mas cada vez leio mais opiniões - e positivas! - sobre o seu trabalho, pelo que acredito que lhe hei sim de dar uma oportunidade :)

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    1. Sim, o design das capas actuais é bastante apelativo. Felizmente, o conteúdo acompanha o aspecto. Dele já li outros contos além destes (alguns são leccionados nas escolas) e li o romance “Um Deus Passeando Na Brisa da Tarde”, sobre o império romano a debater-se com um fenómeno crescente: o cristianismo. Este autor, ao contrário de outros que querem ser diferentes só porque sim, trata muito bem a nossa língua e a escrita é deliciosamente fluída. Tenho ali mais alguns dele para ler. Aproveitei as Horas H desta feira para trazer livros dele, inclusivamente foi de lá que veio este “Casos do Beco das Sardinheiras”.

      E por falar em Feira... que saudades! Faz amanhã um mês que abriu. O tempo voa!!!

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    2. Ficará para a Hora H do ano que vem, para mim :) sinto que para o ano tenho de explorar decentemente os catálogos da Porto Editora e chancelas afins... este ano apercebi-me que não o faço como deve ser.
      O tempo voa, sim! O ano já vai a meio!

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  2. Bom dia!

    Nunca li Mário de Carvalho, acho que já to disse, embora tenha há anos "Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto". Ainda não calhou e o tempo não estica. Lá chegarei :)

    (Estou a ler "Todos os nossos ontens", da italiana Natalia Ginzburg. O segundo que leio desta escritora. Frases curtas e muito simples, que documentam um determinado período da história do país. Ainda estou muito no início.)

    Beijinho e boa semana.

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