quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Dilemas e palhaçadas

De tanto me acordarem cedo, eu própria já o faço sem precisar muito da ajuda dos felinos. Assim, às 5:47 da manhã pulei da cama já fartinha de estar lá. Vi as capas dos jornais, vi as notícias, já tomei o pequeno-almoço, já fiz zapping... E foi precisamente nesta última actividade matinal que topei com o MARAVILHOSO programa da SIC «O Dilema». Maravilhoso em mau, mas com certeza muito divertido. Juro-vos que estou farta de rir e vão perceber porquê.

Portanto, o panorama geral é este: num cenário muito colorido, um homem está sentado à mesa rodeado de baralhos de cartas. Percebe-se que o talento para a apresentação de um programa em directo não abunda, mas isso até é perdoável. O resto é ainda mais ridículo. De poucos em poucos minutos anuncia-se o típico número de telefone para que as pessoas liguem de modo a terem uma consulta com o tarólogo. Quando este atende o telefone para «resolver» o dilema de quem está em linha, pára a conversa com o interlocutor para informar o espectador de que a partir daquele momento «o computador apagou todas as outras chamadas» (sic) e, por isso, se quiserem falar com ele têm de voltar a ligar. Depois deste recadinho, retoma a conversa por telefone e responde à dúvida da pessoa. Mas enquanto deita as cartas faz tantas perguntas relacionadas com o problema da pessoa que me pergunto como é que alguém engole que as cartas respondam ao que quer que seja. 

Nos intervalos das chamadas, vai tirando uma carta para cada signo de modo a sabermos o que nos está reservado para esse dia. Agora imaginem a risada que dei quando olhei para a televisão e vi isto:


Isso mesmo, meus caros: «Gêmeos». Com um belíssimo acento circunflexo. Realmente o português correcto não abunda por ali... Tanto na vertente oral quanto na escrita. Ou se calhar estamos no Brasil e eu não percebi. Assim sendo, vou só ali a Copacabana e já volto.

Fora o mau uso da língua pátria, há vários momentos que são comédia pura. O apresentador, que afirma ser neto de alguém que foi vidente durante cinquenta anos, promete que na consulta seguinte oferecerá um ritual. Então liga-lhe uma senhora que não estará contente com a casa onde vive, dizendo que se sente lá sozinha, embora viva com o marido e com os filhos. Ele lá lhe deita as cartas para ver se ela vai conseguir mudar de casa e, rejubilemos, parece que sim. Como bónus, dá-lhe o ritual: pegue numa taça com água, ponha num local alto e dentro da água coloque uma clara de ovo (imaginem o fedor num dia quente de Verão...). Depois deve acender uma vela BRANCA (que isto é importante) e pedir à Santa Clara (aqui achei que morria a rir) que lhe aCLARe as ideias. Portanto, recapitulando: clara na água, Santa Clara, aclarar as ideias. Mas a senhora não percebeu bem e perguntou se podia pôr a taça em cima da mesa. «Não, é num lugar alto que é para elevar as suas ideias.». A proposta do senhor apresentador foi que a colocasse em cima do frigorífico. Mas a senhora continuava com dúvidas e perguntou sobre a vela, se tinha mesmo de ser branca. Claro que sim! Mas e tinha de ser uma vela, não podia ser um círio? NÃO!!! VELA! E põe-se onde? Por baixo da taça? Neste momento quase cuspi o chá de tanto rir ao imaginar uma taça com água e uma clara de ovo empoleirada em cima de uma vela acesa, estanto tudo isto, por sua vez, sobre o frigorífico. O senhor lá lhe explicou que não, que era ao lado da taça que se punha a vela. Sim, meus caros, isto passa na televisão e a julgar pelo ruído matinal, a minha vizinha de baixo é fã.

Outro dos rituais que foi dado a uma senhora de 63 anos que trabalha, mas que dá o seu dinheiro para ajudar os filhos porque gosta de o fazer e que queria saber se conseguiria poupar alguma coisa para ela e para a sua velhice (sim, alguém perguntou isto), consistia num banho: a senhora devia aquecer água com paus de canela lá dentro e depois despejar aquela água pelo pescoço abaixo. Isto, dizia o tarólogo/apresentador, porque a canela atrai o dinheiro. Pensei logo em ir ali rebolar-me num pacote de canela que me sobrou do Natal já que a minha lista de livros desejados é longa e uns trocos extra para estourar na livraria vinham a calhar, mas depois lembrei-me de que não gosto de tal especiaria e mudei de ideias. Uma coisa é certa: já vi muito arroz doce com canela e nunca vi aparecer dinheiro no fundo da taça. Nem nunca apareceram moedas no meio das rabanadas. Mas vá, pensemos positivo, podia ser um banho com uma infusão de cebola ou de alho. Isso não só não atrairia dinheiro como também não atrairia nada nem ninguém. Concluindo: já sabem, se quiserem aclarar as ideias é uma clara em água e se quiserem dinheiro é um banho com paus de canela. Com a gema que sobra e com um restito da canela sempre podem fazer um docito conventual qualquer.

Mas aquilo que me fez chorar de tanto rir, aquilo que me deixa a rebolar só de o recordar aconteceu num momento de enchimento de chouriços. Eu explico: o apresentador/tarólogo estava a anunciar pela 589782.ª vez o número de telefone para lhe colocarem um dilema e ainda não havia chamadas em linha. Vai daí e resolve falar dos diferentes «oráculos» que utiliza, explicando que usa diferentes baralhos para diferentes tipos de problemas: dinheiro (Canela! Canela!), amor, saúde... Cada baralho adequar-se-á melhor a determinado tema. Então, vai daí, como o programa ainda estava a manter uma altíssima qualidade, resolve mostrar os baralhos e vai levantando cada um enquanto explica para que os utiliza. E é aí que percebemos que as nossas dúvidas, não me perguntem se de amor, saúde ou dinheiro (Canela, gente, muita canela!) podem ser respondidas com isto:


...

Um palhaço. A carta 16 deste baralho consiste num nada infantil palhaço. Vou repetir a ver se isto me entra: um palhaço. Portanto, a pessoa coloca uma questão e o tarôt responde com... um palhaço. Outra vez: um palhaço. Palavra que quanto mais repito mais me rio. É um palhaço! Imaginem assistir a isto em directo. A coisa já estava a ser maravilhosa, mas quando ele levantou o baralho e me salta dali o primo do Batatinha, julguei que morria a rir. Acho que os meus abdominais renasceram de tanto que mexeram hoje! Vou passar a assistir diariamente a este programa para ver se ainda consigo uma barriga invejável para esta época de praia.

Portanto, é isto, meus caros. É isto que a SIC nos propõe para de manhã, enquanto outros canais generalistas passam os seus noticiários. Uns apresentam o «Minuto Verde» e o «Bom Português», outros o trânsito e a meteorologia, outro os desenhos animados e outros... o temível palhaço. Acompanhado, claro, de claras de ovos, canela e velas que têm de ser brancas e não podem ser círios, que horror! 

Podia dissertar sobre o que penso acerca de tudo isto, mas não vale a pena. Creio que ficou bem claro. Alguém perguntará por que raio perdi tempo de vida a ver isto. Respondo já: no fim-de-semana, num almoço de família, o meu cunhado dizia-me que apanhou isto a dar numa sala de espera de um sítio qualquer e que ficou siderado com o disparate. A minha mãe acrescentou mais uns pormenores supimpas. O mais próximo que eu tinha estado do programa tinha sido através do chão da minha casa já que o som da televisão da vizinha chega cá acima logo de manhãzinha com isto. Resolvi que um dia veria um bocadinho para poder perceber a dimensão da coisa. Hoje foi o dia e acreditem que não me arrependo! Há lá coisa melhor do que começar o dia a rir?

E para que o vosso dia seja tão divertido quanto o meu está a ser, fiquem com a paródia do Joaquim Monchique a um programa «gêmeo» (ahn, que tal a piada?) deste e que terá passado na SIC em tempos. Divirtam-se!




4 comentários:

  1. :DDDDDDDDD
    Tão bom (e tão mau).
    Talvez deva começar a ver televisão, fiquei intrigada. Gosto muito de rir.
    Fiquei a saber o que posso fazer com ovos. Estava aborrecida com dois ovos - vou de férias amanhã de manhã, tenho que estar no aeroporto cedo - e detesto mandar comida fora. O jantar não inclui ovos. Já sei o que fazer. Só tenho que comprar velas brancas. É melhor deitar fora as gemas do que os ovos inteiros. E ajuda a clarear as ideias. É de louvar :)))

    Em regra, sinto pena de pessoas enganadas. Cada um reza como pode. Estão desesperadas, fragilizadas ou solitárias e que, infelizmente vão na conversa do bandido mais pobre de todo o sempre. Por vezes não consigo. Está tudo tão à frente dos olhos, tudo tão óbvio.
    Serão as chamadas reais, gente que telefona de livre vontade?
    O palhaço, pá! :DD

    (Um livro que ilustra mais ou menos este programa e a ideia de burla quase consentida, é: "O Pregador", de Erskine Caldwell.)

    E muita canela para ti :)

    ResponderEliminar
  2. Olha que está aí uma excelente coisa para começar a desejar-se às pessoas: canela para ti! Ainda vira moda!

    Juro: quando ele pegou no baralho para o mostrar e sai de lá aquele palhaço julguei que me dava o treco. Parecia uma cena escrita por um humorista! Até podia ser um palhaço com um ar mais misterioso, ou pelo menos mais adulto, mas sai-me de lá aquela miséria... Não consigo entender como alguém consegue levar tais disparates a sério!

    Quanto a quem telefona, ou são muito bons actores ou são mesmo pessoas bastante inocentes com muito pouco espírito crítico. Acabo por ter alguma pena.

    Mas olha, vale a pena veres um dia. Ficas logo bem disposta. Espero que apanhes este apresentador/tarólogo, mas acho que as colegas devem ser igualmente boas.

    Assim com engodos, lembro-me do livro «Uma Parte do Todo» (não me recordo é do autor, mas é Steve T... qualquer coisa). Gostei muito desse livro. Aliás: gostei mesmo muito desse livro. E vou apontar a tua sugestão. Obrigada.

    Pois, é importante que utilizes os ovos. Mas não ponhas a vela por baixo senão ficam escalfados. :P

    Boas férias! Espero que te divirtas e que descanses. O mês de Agosto serve mesmo para isso: preguiçar, papar e jiboiar. :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Fui procurar o livro. "Uma parte do Todo", de Steve Toltz.
      Já está na lista. Muito obrigada. Não conhecia.
      O livro que te recomendei não será um livro de uma vida, mas lê-se bem. Tenho a edição da Europa-América, com umas letrinhas que não lembram a ninguém. Muito barato.

      Embora nada tenha a ver (lembrei-me pela sinopse. Família e tal).
      "Jó - Romance de um Homem Simples", de Joseph Roth. A sinopse não faz jus ao livro, na minha opinião.

      Vou deixar o Michi em casa dos meus pais, estaremos fora uma semana e poucos dias, vamos à Croácia. As restantes três semanas serão com o trio.

      Eliminar
  3. Fico sempre estupefacta quando tenho o azar de me cruzar com esse programa.

    ResponderEliminar