sábado, 18 de outubro de 2014

Da enorme, profunda e avassaladora ignorância e da vontade de não estar calado


Num dia desta semana, ouvi uma senhora idosa dizer a uma vizinha e em frente ao neto, no meio de uma conversa sobre escolas, umas frases semelhantes a estas:
 
«Os professores limitam-se a despejar a matéria cá para fora e está feito. Os miúdos, esses sim, é que têm o trabalho todo, coitadinhos, eles é que se fartam de estudar!»
 
Obviamente tive de segurar-me para não explicar duas ou três coisas àquela enorme ignorante. Infelizmente, isto reflecte o que muita gente pensa sobre aqueles que um dia até tiveram uma profissão muitíssimo respeitada. Hoje em dia, para boa parte das pessoas, os professores são apenas uns monstros que não sabem nada, nem a matéria que ensinam. São uns mandriões que só querem fazer o mínimo e ir para casa para usufruírem dos seus utópicos «três meses de férias». São uns pulhas que trabalham trinta e cinco horas semanais enquanto o resto da população labuta durante quarenta. No fundo, os meninos é que são os heróis por sobreviverem durante pelo menos doze anos nas mãos destes retardados cruéis que escravizam as crianças sem que acabem por ensinar-lhes algo que preste. E se não são os paizinhos e as mãezinhas a ajudar nos imensos trabalhos de casa enviados por esses insensíveis, nem as crianças têm sossego. Professores? Era abatê-los a todos, enorme corja!
 
É doloroso sair de um dia de aulas, um dia daqueles em que não se pára nem para almoçar e levar com isto. Sentir a garganta a latejar de tanto que se puxou pela voz, sentir o zumbido nos ouvidos que qualquer professor tem a infelicidade de conhecer e mesmo assim ouvir isto da boca de quem, em nome de um enorme amor pelo neto, nem pensa na quantidade de lixo que está a dizer. É doloroso ouvir e traz a vontade de ser mesmo assim, tal e qual as pessoas nos pintam. Para que me canso eu se no fim a fama que todos temos é a de parasitas? Para que passo eu uma tarde a fazer testes para os meus alunos e critérios de correção ou um dia a corrigir trabalhos se, no fim de contas, faço parte daquele grupo que só serve para lixar a vida dos miúdos e para estragar a belíssima educação que todos recebem nas suas casas?
 
Na segunda metade de Outubro ainda há alunos nas nossas escolas sem professores. Vejo manifestações, gente com cartazes a pedir docentes. Parece que neste momento até há quem lhes sinta a falta. No meio de tanta coisa mal feita, pelo menos fica a ideia de que, afinal, não se passa bem sem quem ensina. E do outro lado estão os desgraçados do costume, sem escola atribuída, sem vida definida, sem saberem o que fazer... Mas, enfim, esses também só servem para despejar a matéria. Os heróis são os alunos. Foi isto o que disse a senhora. Espero, por isso, que na escola do neto coloquem gravadores em vez de professores. Para muita gente não há diferenças e isso, minha gente, é muito triste.

2 comentários:

  1. Quanto eu era pequena, ninguém achava que o aluno não tivesse de trabalhar na escola. Hoje em dia, ouvi muitas pessoas dizer que os trabalhos de casa são muito difíceis para os seus filhinhos pobres, e, pior ainda, são eles os que fazem os trabalhos de casa dos seus filhos! Fico tão enojada que não aguento e digo-lhes que não devem fazer isto, que mesmo se os trabalhos são difíceis o professor já sabe e vai tomar em conta a dificultade dos trabalhos e a idade dos alunos, que devem deixar os filhos fazer o que puderem sozinhos, porque no futuro não vão poder fazer nada e vão esperar tudo dos pais... Ninguém me ouve.
    Os nossos pais também ajuntavam-nos, sim, mas somente ajuntavam, não faziam os nossos trabalhos.
    Acho que todos pensam que a educação devia vir em comprimidos...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É chocante e desmotivante o que por agora se passa na educação. Os alunos são sempre umas pobres vítimas e os docentes o pior dos carrascos. Se somos exigentes é porque damos cabo dos alunos, se não somos tanto é porque não ensinamos nada. É muito difícil viver uma profissão na qual não existem dias de descanso e mesmo assim ouvir da boca de uma avozinha que os professores nada fazem e que o mérito é apenas dos alunos. Não mata, mas mói.

      Eliminar