É o assunto de que mais se fala: haverá ou não exame nacional de Português na segunda feira? Ninguém sabe. Por acaso este ano não levo alunos do décimo segundo ano a exame, senão estaria muito mais preocupada do que o que estou. Mas ainda que levasse, creio que pensaria o mesmo: esta greve faz falta e já fazia falta há muito tempo. Vai, provavelmente, atrapalhar muito em muitas coisas, mas é um mal necessário. Desde há muitos anos que os professores são carne para canhão: podem ser colocados em toda a parte sem que se pare para pensar no mal que isso faz às suas vidas pessoal e psicológica; podem levar doses monumentais de trabalho para casa, depois de terem feito todas as horas de trabalho que deviam (e às vezes que não deviam) fazer e têm visto sobre a mesa propostas para o aumento do horário de trabalho para as quarenta horas semanais.
Provavelmente, a greve ao serviço de exames vai incomodar e muito. Contudo, muito mais incomodará, se nada se fizer, a implementação destas medidas que se prendem com a mobilidade e com o aumento drástico do horário de trabalho dos professores. Muitos poderão dizer que já trabalham quarenta horas semanais e não fazem greve por isso. Pois, mas a profissão docente tem algumas especificidades que os não docentes tendem a desconhecer. Sabiam que todos os dias, depois de sair da escola, venho para casa e continuo a trabalhar? Tenho trabalhos e testes para corrigir, aulas para preparar, testes para fazer, sumários para escrever, enfim, um mundo de coisas que não fica dentro da escola, mas que vem comigo para casa. Por isso, aumentar a nossa carga horária chega a ser insultuoso. É que não é nas cinco horas a mais que vamos incluir este trabalho que acabei de enumerar: o que acontecerá é que após essas quarenta horas (que virão, certamente, acompanhadas de mais trabalho nos estabelecimentos de ensino de modo a serem necessários ainda menos professores) continuarei a ter os mesmos trabalhos para corrigir, os mesmos sumários para escrever, os mesmos testes para preparar. Simplesmente tudo será atrasado umas horas, porque teremos de estar ainda mais tempo nas escolas.
Por isso, minha gente, os professores da escola pública devem parar. Devem fazer-se ouvir e, infelizmente, nesta terra de surdos, só com grandes consequências é que alguém pára para escutar realmente alguma coisa. Parar os exames, fazer alterar um calendário preparado há tanto tempo é, crê-se, o único modo de uma classe completamente vilipendiada se fazer ouvir. Lamento por todos os prejudicados, pelos alunos que vêem esta situação como uma enorme pedra na sua caminhada para a conclusão do ensino secundário. Contudo, sei que esses também perceberão que, tal como estão, as coisas não podem persistir. A escola pública, com estas medidas, não será uma boa escola, mesmo com os bons professores que por lá se encontram. Não se pode continuar a exigir a estes homens e mulheres que dêem mais um bocadinho e mais um bocadinho e mais um bocadinho até já não terem nada para dar, nem sequer saúde. Sim, porque algures aqui pelo meio, alguém se esqueceu de que a profissão docente é comprovadamente uma das mais stressantes dos dias que correm. Aumentar a carga horária é aumentar o stress e a pressão a que um professor está sujeito, sem que este, ao menos, receba mais por isso. Beneficiará isto os alunos? Não. É medida de quem já esqueceu o que é ser professor e, talvez mais ainda, o que é ser adulto.
Como professora de Português estou, portanto, solidária com todos os que resolverem parar. Pessoa, Camões, Saramago ou Sttau Monteiro poderão esperar mais uns dias para saírem no exame. Os professores deste país é que já não têm tempo nem força para esperar mais.
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