sexta-feira, 26 de abril de 2019

Pelo Latim: habemus grammaticam!

Esta quixotada podia perfeitamente pertencer ao grupo «A Menina Sugere Isto», mas falando-se aqui de uma gramática de latim, língua que poucos chegam a aprender, achei que podia fazer isto de forma diferente. 

Como penso que já disse aqui no blogue, sou, de acordo com o meu diploma, professora de português e de latim. No entanto, nunca dei aulas de latim fora do estágio. Tive a oportunidade de o fazer, mas não quis aceitar a oferta por uma razão muito simples: não viria a ser boa professora. Deixo essa tarefa para quem domina a língua melhor do que eu. Fiquei-me pelo português já que ensiná-lo era mesmo o meu sonho.

Contudo, aprendi latim na faculdade e dou-lhe até maior valor hoje do que dava na altura. Foi soberbo para perceber melhor a nossa língua, para compreender de onde vinham as palavras e que caminho haveriam de percorrer até chegarem a ser as que hoje usamos. Foi uma aprendizagem importante para mim e acredito que faz muita falta aos nossos alunos. Tenho a certeza de que a nossa gramática seria mais fácil de aprender se também passassem pelo conhecimento da gramática latina. No entanto, a lógica do útil e do inútil e do imediatamente utilizável foi-se sobrepondo e Portugal deixou morrer o ensino do latim nas escolas. Aqui e ali ainda se aprende, sobretudo nos colégios privados, mas a maior parte das escolas desistiu da oferta da língua latina. 

Porque é uma língua morta, porque não dá dinheiro, porque não garante acesso a postos de trabalho: as razões foram imensas e todas presididas por uma enorme ignorância. O latim está-nos no sangue, na história e quem manda optou pelo esquecimento. Louvo os colégios que insistem no seu ensino, que o têm inclusivamente como disciplina obrigatória, que percebem que o português se aprende melhor se a base latina estiver lá. Eu, como disse, não daria uma boa professora de latim, mas nem por um segundo lhe retiro a importância que tem. E não deixo de lamentar o esquecimento a que tem sido sujeito. É mais estudado, lido e ensinado em países de língua não românica, como a Alemanha, do que em Portugal. E hoje, com a autonomia das escolas, até seria mais fácil inclui-lo nos curricula. Felizmente, ainda existe quem a ele dedique a vida: a estudá-lo e a ensiná-lo.

Por isso mesmo, porque tenho o privilégio de conhecer alguém que se apaixonou pelas línguas e literaturas clássicas e que tem a elas dedicado o seu tempo, aproveitei para deixar no blogue um testemunho muito mais rico do que o meu no que à importância do latim diz respeito. 

Gabriel Silva é professor de latim desde 2010, se não me falha a memória. Fez o seu mestrado e o doutoramento na área das línguas e literaturas clássicas. Continua a traduzir e a investigar (porque este mundo não tem fim e são poucos os que labutam nele), mas também a ensinar latim a crianças e jovens do ensino básico e secundário. Pedi-lhe para escrever um pequeno texto sobre a língua dos romanos e ele acedeu. Aí vão as suas palavras.

«Olavo Bilac (o poeta brasileiro, não o cantor) disse, em tempos, que a língua portuguesa é a última flor do Lácio. O Português é, sim, uma das flores que o Lácio deu ao mundo. Que todos sabemos que o Latim é a base principal do nosso idioma, não duvido. Mas até que ponto utilizamos palavras de todos os dias sem conhecermos um pouco da sua história? Saberemos nós que quando estamos a considerar uma coisa, de certo modo estamos com o olhar posto nas estrelas? Teremos noção de que o verbo pular está relacionado com frangos? O Latim tem muitas utilidades. Passar um raio-x em boa parte da língua portuguesa é apenas uma delas. Poderia agora elencar os mil benefícios de aprender Latim: ajuda na gramática, dá uma maior sensibilidade para o Português e outras línguas românicas, abre portas para um mundo imenso de literatura..., mas já consigo ouvir um coro que se levanta contra o ensino/aprendizagem da língua do Lácio. Os argumentos são os habituais: já não se usa, não tem utilidade, não dá dinheiro, não gera emprego... Mas agora pergunto eu: e não é bom conhecer/saber uma coisa apenas porque sim, pelo simples gozo de aprender e de saber? Estou longe de imaginar (quanto mais de querer!) que toda a gente se torne latinista, mas não é tão bom aprender uma coisa nova? Eu não sei tocar nenhum instrumento musical, mas gostava apenas porque sim, porque é agradável aprender, e é mais um meio de olear a nossa maquinaria mental. Sabem que mais? A ignorância é atrevida.»

E já que falamos tanto de latim... Frederico Lourenço tem sido responsável por traduções de textos clássicos e por adaptações dos mesmos aos mais novos. Tem feito um trabalho imenso na área. Na Quetzal, publicou recentemente esta Nova Gramática do Latim.

Wook.pt - Nova Gramática do Latim

Já a tenho e está estupenda. Além de que era difícil aos alunos de latim encontrarem uma boa gramática (o velhinho Compêndio já não era fácil de encontrar), é bom ver sair estes títulos que dão novo fôlego e chamam a atenção para esta «língua morta» (linda expressão). Não deve haver aluno de Letras que não vá a correr para esta gramática, mas seria bom que outros se sentissem tentados a aprender um pouco mais sobre esta língua. Por extensão, saberão mais de português. E isso é sempre bom.

Por isso, se tiverem curiosidade, se quiserem tentar perceber o que ainda existe de latim no nosso português, fica esta sugestão. É um livro bonito, bem feito e com um conteúdo importantíssimo para os falantes de português. E, nunca se sabe, pode ser que nasça assim a vontade de saber mais. Até porque essa deve manter-se sempre. 

Nota: A imagem saiu da página da Wook.

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