sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Quando a realidade supera a ficção

Estou a ver o noticiário da SIC e antes do intervalo passou uma notícia que parece ter saído directamente de um romance, de tal forma é complexa e supreendente. E passa-se em Portugal. Ora vejam:

Um homem foi ao médico e, após alguns exames descobre que sofre de infertilidade crónica. O problema maior do que não poder ter filhos no futuro: é que já tem uma filha de dezasseis anos. Todavia, recordem-se, o médico informou o homem de que o seu problema não é de agora. Naquilo que eu imagino ser um pesadelo, o homem sujeita-se e à sua filha a testes de ADN que determinam que há noventa e nove porcento de hipóteses de ele não ser o pai da menina.

Não consigo sequer imaginar o que aquele homem está a sentir, mas talvez esse sentimento ajude a explicar o que se seguiu: estando já separado há algum tempo da mãe da criança, exige em tribunal à ex-mulher a devolução do valor da pensão de alimentos já paga; exige, pelo que compreendi, uma indemnização e que o seu apelido seja retirado do nome da rapariga que, note-se, até agora foi sua filha. Como à luz da nossa lei essa coisa monstruosa do “filho de pai incógnito” não é permitida, agora cabe à justiça investigar de forma a descobrir quem é, de facto, o progenitor da adolescente em causa.

Ora... Que dizer disto? Acho que estou de boca aberta desde que ouvi a notícia. Por um lado, não imagino o que possa este homem estar a sentir. Francamente, lemos tantos livros e tantas histórias com coisas parecidas e que nos soam tão distantes do que é verdade que nem por isso estamos preparados para quando a realidade se aproxima da ficção. Mas depois não pude deixar de pensar no que é, aos dezasseis anos, descobrir-se que o nosso pai não é mesmo o nosso pai; que a nossa mãe (caso soubesse que aquele não era mesmo o pai da sua filha, o que não sei se sucedia ou não) pode ter criado uma mentira de todo o tamanho; que aquele que conhecemos por pai está tão magoado que até o nome dele quer retirar a quem, convenhamos, é a última pessoa a ter responsabilidade nesta história. Acho que todos nos lembramos do que é ter dezasseis anos. Agora imaginem o que é ter essa idade e passar inesperadamente pela surreal história que relatei. A rapariga descobriu que o pai que sempre conheceu não é o verdadeiro pai biológico; pode ou não (pois, como disse, não sei o que aconteceu para que esta história decorresse assim) chegar à conclusão que a mãe tem muito para contar-lhe; pode vir a perder o nome que tem há dezasseis anos e ainda vai ter de passar pela experiência de uma investigação para se apurar quem é, então, o seu verdadeiro pai biológico (e ganhar um novo apelido). Além de tudo e como se fosse pouco, ainda assiste a notícias sobre isto na televisão e caso os que com ela convivem fiquem a saber da situação, ainda terá de conviver com as perguntas, os comentários e os olhares (não sejamos hipócritas: somos todos muito modernos, mas ainda adoramos uma boa cusquice). Não consigo imaginar pior. 

Espero que esta menina consiga ultrapassar isto da melhor forma. E que aquele pai que o foi, mas que já não é (e que, alegadamente, não quer mesmo sê-lo, já que nem o seu apelido quer que a rapariga mantenha) consiga também superar a dor de um engano, mais a raiva, a frustração e a tristeza que tudo isto deve trazer. Espero que esta história surreal tenha o final de quase todas as novelas e acabe bem.

2 comentários:

  1. O mais estranho para mim, é ao fim de tanto tempo, o tipo não ter criado laços suficientemente fortes com a rapariga para, apesar de ter sido enganado pela mãe, não querer continuar a ser o pai. 16 anos a criá-la não serão suficientes para ser mais pai do que qualquer outro que lhe vá agora dar o nome? Deixou de gostar da filha, ou nunca tinha gostado?
    Novelas.

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    1. Olha, pensei o mesmo. Mas só consigo imaginar que juntamente com a revolta de perceber que não pode ter filhos, venha um repúdio e desejo de vingança por sentir-se enganado. Claro que nestas coisas quem mais paga é quem tem menos culpa. Faz-me particular confusão isso que disseste e que dezasseis anos não tenham nem sequer chegado para manter o apelido no nome da rapariga. Mas “quem está no convento é que sabe o que lá vai dentro” e eu diria que se calhar a relação não era assim tão forte. Porém, só podemos especular. Lá que é estranho, é. Tenho pena da miúda.

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