sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Coisas que odeio III


Chamem-me insensível, mas tenho problemas em aguentar aquilo que apelido de "ternurices" (eu sei que a palavra não existe, acalmem-se!). E o que é isso, perguntam vocês? Eu explico com todo o gosto. As "ternurices" são aquelas coisas que nasceram há uns anos entre amigas e que consistem em coisas mais doces que o gelado de stracciatella que tenho ali no congelador.

A "ternurice" mais óbvia, e que até os homens já devem ter percebido que existe, manifesta-se pela repetição do adjectivo "linda" durante um diálogo entre amigas, sendo utilizado com as mais variadas funções sintácticas: desde vocativo até predicativo do sujeito, serve para tudo. Essa "ternurice" é mãe de frases cheias de significado como «Ai linda, esse vestido faz-te tão linda! Aliás, tu és linda sempre.». Uma pérola, portanto.

Depois também temos a "ternurice" que faz com que o vocabulário português tenha sido enriquecido com mais uma palavra: 'miga. Desenganem-se os homens que visitam este blogue e que podem estar a pensar que me refiro a um acompanhamento preparado com pão e muito apreciado no Alentejo. Não. 'Miga é uma forma fofinha (porque o objectivo de tudo isto é ser-se o mais fofinha possível) de dizer "amiga". Ou seja, como se a palavra "amiga" não fosse já ela cheio de significado, inventa-se uma mais curtinha, porque toda a gente sabe que o que é mais pequeno é mais querido e pronto. Então podemos ficar com frases como: «Ai linda, esse vestido faz-te tão linda, 'miga. Aliás, 'miga, tu és linda sempre.». Uma frase destas é, sem dúvida, um banho de amor.

Outra "ternurice" que vale a pena evocar consiste na praga dos beijinhos. Os beijinhos são uma coisa que algumas raparigas ou, pasmem-se, mulheres acham que são como os vírus: para espalhar o mais possível. Então imaginem a seguinte troca de mensagens escritas entre duas amigas:

A.: «Oi linda, está tudo bem contigo? Tenho-te achado triste e não te quero assim, 'miga. Beijinhos.»
B.: «Oi linda, tudo bem? Sim, linda, tenho andado chateada com umas coisas. Mas não te preocupes, 'miga. Beijinhos.»
A.: «Linda, não fiques assim porque tens um sorriso lindo e eu gosto de te ver sorrir, 'miga. Beijinhos.»
B.: «Tens razão, linda, mas isto nem sempre corre como queremos, não é, 'miga? Beijinhos.»
A.: «Pois é, linda. Olha, queres ir tomar um café, linda? Tenho saudades tuas, 'miga. Beijinhos.»
B.: «Olha, pode ser, linda. És tão querida. Hoje às três dá para ti, 'miga? Beijinhos.»
A.: «Querida és tu, linda. às três não me dá, 'miga. Pode ser às seis, linda? Beijinhos.»
B.: «Oh linda... :( Às seis tenho ginecologista, 'miga. Podes noutra hora, linda? Beijinhos.»
A.: «Depois de jantar, linda. Beijinhos, 'miga
B.: «Por mim pode ser, 'miga. Onde, linda? Beijinhos.»
A.: «Linda, no café do costume. Beijinhos.»
B.: «Combinado, 'miga. Estou lá às nove, linda. Beijinhos.»
A.: «Está bem, linda. Beijinhos.»
B.: «Beijinhos, linda.»

E é isto. Nada mais a acrescentar.

Para finalizar a lista de ternurices (acreditem que são muitas) temos os inúmeros elogios. Esta classe de amigas acha que deve elogiar as amigas mais vezes por dia do que aquelas em que eu penso em sapatos. Uma doçura! Desde o simples «És linda, 'miga.» até ao mais elaborado «És uma amiga linda, 'miga.» (aparentemente são coisas diferentes...).

Juro que não compreendo isto. Tenho amigas e não faço isto. Acho desgastante e enervante que alguém me apelide de "linda", mesmo quando pareço um parente do Alf acabado de acordar. Aliás, estas manifestações tão exacerbadas de ternura normalmente fazem-me desconfiar das pessoas que as proferem pelo simples facto de que nem sempre podemos estar de acordo com os nossos amigos, nem sempre achamos que merecem elogios (e quem acha que merecem é porque não é um bom amigo), nem sempre lhes podemos dizer o que eles querem ouvir porque isso muitas vezes não corresponde à verdade. Mas infelizmente há quem ache que ser amigo é espalhar açucar e doçuras afins em cima do outro, e dizer-lhe para ir em frente mesmo que isso seja uma descomunal asneira ou uma queda certa num daqueles abismos que nos vão surgindo. Há pessoas que acham que ser amigo é apoiar incondicionalmente, contudo esquecem-se que o bom amigo é o que nos abana quando precisamos de ser chamados à razão. Não quero amigos que me digam que faço sempre tudo bem. Não quero amigos que me digam a toda a hora que estou linda ou que sou linda, mesmo quando eu sei que fiz uma coisa errada ou que estou tudo menos linda. Quero quem me diga a verdade. Esse sim é o bom amigo, ainda que menos doce. Mas eu, quando quiser uma overdose de doçura, vou à Haagen Dazs e encho-me daquelas maravilhosas panquecas da semana passada.  

Nota da autora: Já que estou numa de odiar coisas, também odeio discursos muito lindos e cheios de lugares-comuns sobre a amizade. Poupem-me a isso!

1 comentário:

  1. Não posso estar mais de acordo com a opinião expressa no texto. Essas "ternurices", como as designas e muito bem, a mim agoniam-me. E, depois, também não considero que seja papel de um amigo estar sempre a abanar com a cabeça para cima e para baixo, concondando com tudo o que digo ou faço, para ser simpático e porque acha que assim está a ser um bom amigo. NÃO, para mim, um bom amigo é aquele que me apoia quando realmente estou a seguir o caminho certo, mas que também sabe dizer: - Não vás por aí.

    P.A.

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