sexta-feira, 1 de junho de 2012

Vanessa

Cada vez mais assino por baixo a frase da Alice Vieira que diz que os autocarros são fontes de histórias. E é cada uma melhor do que a outra.

Ora, hoje ia um rapagão ao telemóvel e, muito sinceramente, a conversa dele não era mais do que ruído de fundo, de tão entretidazinha que ia a ler o meu livro. Contudo, talvez pelo tom de voz ligeiramente alterado, acabei por prestar atenção às suas últimas frases. Foram mais ou menos assim:

- Então fica assim. Mas olha: se tu não estiveres no Campo Grande às cinco horas, podes mêmo [leia-se «mesmo»], mêmo, mêmo, mêmo, mêmo ter a a certeza de que acabou tudo, Vanessa. 'Tô-te a avisar, Vanessa. Vê lá...

Fiquei preocupada com a pobre Vanessa, coitadinha. No fundo, a sua vida amorosa dependia, naquele momento, de uma série de factores externos tais como: os horários dos transportes de Lisboa, o trânsito das artérias que levam a uma zona tão central quanto o Campo Grande, enfim, avistava-se um problema. Ainda perdi três ou quatro minutos de vida a pensar na desgraçada da Vanessa, lutadora por um amor tão pontual e picuinhas com as horas que faz da exatidão horária o ponteiro que decide, para o bem e para o mal, o final de uma relação. Mas depois voltei ao meu livro e deixei-me disso ao recordar um provérbio latino que aprendi no meu primeiro semestre de Latim e que dizia «Asinus asinum fricat», que é o mesmo que «Burro esfrega burro». Ou seja: se o tipo, já bem longe da adolescência, é manifestamete parvo (a julgar pela conversa), a tipa também não o é menos ao não o mandar logo para aquela parte: estão, pois, bem um para o outro.

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