Nos dias que correm, podemos ser assaltados na rua, numa esquina mais escura, na nossa casa, no nosso carro ou, até, numa loja. Creio que no outro dia quase fui roubada num estabelecimento comercial.
Ia eu fresca e fofa por uma das mais conhecidas ruas de Lisboa quando vejo uma loja cheia de biquínis lindos, daqueles de cair para o lado espumando da boca. Entrei e fui muitíssimo bem atendida por uma bastante solícita funcionária que me foi ajudando a escolher os modelitos que havia de experimentar de modo a escolher o ou os melhores. Lá vou eu com uns cinco biquínis para o provador. Experimento o primeiro e não fico fã. Experimento o segundo e também não acho muita graça. Visto o terceiro e, subitamente, começo a ouvir um coro de anjos a lançar uma melodia docemente acompanhada pelo dedilhar de uma harpa celestial. Vi-me rodeada por uma aura de luz e, de repente, até me senti outra vez uma gaja boa.
Pensei que estava feito um casamento para a vida, até que alguma coisa me começou a picar insistentemente. Incomodada pela interrupção do meu idílio, vou verificar o que é e, horror, deparo-me com a etiqueta com o preço da parte de cima do biquíni. Dizer que os anjos se calaram, que as harpas se partiram todas pelo chão e que voltei de súbito a ser uma gaja muito pouco boa é minimizar o que sucedeu naquele provador. Quando vi que me pediam uns módicos quarenta euros pelo pedaço de tecido onde as minhas duas mais fiéis amigas haviam de encaixar nos soalheiros dias de praia, apeteceu-me gritar impropérios. Quero acreditar que me segurei bem, mas não posso jurar...
Apressei-me a ver o preço da parte de baixo do biquíni. Vinte euritos. Em conjunto a coisa ficava em sessenta euros. Dois minúsculos pedaços de pano para esconder as vergonhas custavam aquilo que muita gente não ganha numa semana. Eu ia constatando esse facto enquanto a solícita funcionária perguntava, do lado de fora, se ficava bem. Respondo que sim e ela diz «Sabe que os nossos biquínis duram bastante tempo!». Admito que me segurei para não lhe dizer que, por aquele preço, tal biquíni devia passar a ser um tesouro de família, passado de geração em geração até que, por qualquer razão científica, o planeta Terra deixe de existir. E mesmo assim, por sessenta euros, o biquíni tinha a obrigação de se aguentar e de sobreviver a uma implosão solar ou a algo do género.
Deixei o biquíni nas mãos da funcionária que me olhava com um ar desolado. Inventei uma desculpa qualquer para não o levar (que nem era tão desculpa quanto isso, mas enfim) e saí da loja. Ainda andei uns dois dias a pensar na porcaria do biquíni, porém a coisa acabou por passar. Quando pensei que vivemos uma crise e que há muita gente que adorava ter sessenta euros para poder comprar comida, deixei de choramingar por aquele meio metro de pano para enrolar mamas e rabo. Fui à gaveta, vi com o que contava para os dias de praia e calei-me.
Hoje passei em frente a uma loja do chinês que abriu aqui na zona há pouco tempo. Tinha na montra um dos biquínis mais giros que já vi. Segui em frente, tratei do que tinha a tratar e, no regresso a casa, entrei na loja para espreitar o biquíni. Ficava-me bem, experimentei em três cores e depois percebi que ainda não sabia quanto custava. O coro de anjos regressou pela voz da senhora chinesa que disse «nove e meio». Júbilo: agarrei no azul e no rosa e paguei ali dezanove poupadinhos euros por dois biquínis bem fofinhos que hão-de bombar o Verão inteiro, já que sou cuidadosa e nunca na vida dei cabo de um biquíni (ainda tenho em muito bom estado aquele que usava aos quinze anos... o problema é que já não entro nele...).
Moral da história? Podemos ser assaltados em muitos sítios. A diferença é que nuns casos vale a pena resistir e noutros é melhor entregar o ouro e fugir. Cada um compra o que quer e gasta onde quer. Poderão dizer que não lamento o meu dinheiro quando compro tantos livros. É verdade. Mas não me sinto fútil e a desperdiçar euros que me deram trabalho a ganhar quando compro um bom livro, que me vai entreter e ensinar alguma coisa, que me acompanhará, que me enriquecerá. Por outro lado, um biquíni é um biquíni: são duas pequenas peças feitas de um tecido que seca rapidamente e que não custam assim tanto a fazer, já que cada vez são mais pequenos e com menos costuras. Durante um Verão usamos vários porque, após uma ida à praia, acabam inevitavelmente a ser lavados e, por isso, precisamos de ter alguns. Se todos custarem sessenta euros, acabamos por ter uma pequena fortuna em peças de licra. Que o faça quem quiser e se sinta à vontade para dar tanto dinheiro a uma marca apenas para pagar a sua etiqueta. Eu não o fiz e acho que mesmo que me saia o Euromilhões não o farei. Vivemos numa crise onde há cada vez mais gente sem ter o que comer. Pedirem-me sessenta euros por um biquíni pode ter lógica para a loja que o vende, que é um negócio e precisa de sobreviver, mas para mim não tem. Definitivamente, não dou para esse peditório.
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