Corro o risco de me tornar repetitiva, mas reitero a ideia de que os autocarros são fontes preciosíssimas de histórias memoráveis. Mesmo. Hoje trago mais uma que me deixa a pensar que se calhar a crise não é tão grande quanto se pinta ou então que não chegou aos jovens. Talvez os pais deles tratem a crise por tu e durmam com ela na cama, mas os filhos não se metem nesses assados, com certeza.
Ora, ia no autocarro um rapaz com um ar jovem, mas que pelos vistos seria recém-licenciado, a julgar pela conversa. Encontrou-o uma amiga. Cumprimentaram-se e ela questiona:
- Vais para onde?
- Vou para o estágio.
- Estás a estagiar onde?
- Numa empresa ali ao pé da escola.
- Ai eu também quero ver se vou estagiar. - desabafa a moça. Ele responde:
- O que eu queria mêmo [leia-se, tal como na outra quixotada, "mesmo": o erro é comum, parece-me...], mêmo, mêmo era trabalho...
- Ya, eu também... - diz ela, acrescentando de seguida, - Mas no Verão não!
Ele, brilhantemente, responde:
- Ya, eu também só quero pá [leia-se "para a"] segunda quinzena de Agosto.
A moça pergunta:
- O teu estágio vai durar até lá, é?
Ele satisfaz-lhe a curiosidade a ela e a mim, que ia de orelha espetada:
- Não: já tenho bilhetes pós festivais [leia-se "para os festivais"].
Portanto é isto: esta gente quer muito trabalhar, só não pode é ser no Verão porque isso é uma crueldade, especialmente quando existem Zambujeiras do Mar e Paredes de Coura. Pergunto-me:
a) Como viverão os tipos que os sustentam?
b) Quem terá pago os bilhetes?
c) Em que árvore acharão eles que nasce o dinheiro? Será na jabuticabeira? É que parece-me que por cá não há disso. Eu pelo menos nunca vi nenhuma...
d) Saberão eles que no Verão é mais fácil os jovens arranjarem trabalhitos em restaurantes, lojas e afins, bons para juntar uns trocos?
e) Saberão eles que vivemos em crise e que a atitude do "ah e tal, mas no Verão não" é para lá de estúpida?
Enfim, tanto para perguntar e nenhuma resposta. É que eles saíram na paragem antes da minha e eu não os pude acompanhar porque, tolice minha, tinha de ir trabalhar...
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