quinta-feira, 19 de abril de 2012

Vida difícil

Hoje de manhã, ao acordar, ouvi a chuva a cair. E se neste momento estão a pensar que esta será uma quixotada poética sobre o som da chuva e o cheiro da terra humedecida pelo dom da água que os céus nos concedem finalmente, fujam já daqui que não será nada disso. Ora, continuando, acordo cedinho, ouço a chuva e penso «&%#-$€, está a chover! Logo hoje que tenho de andar bastante!». Vou vestir-me e tal, ponho uma camisinha branca sob a camisola quentinha para dar um ar muito profissional e vejo-me na hora de escolher os sapatinhos. «Ai diabo, está a chover e eu mandei fora as botas rasteiras para a chuva...», pensa esta cabecinha ainda mal acordada e já perto da hora de sair de casa para ir trabalhar. Vou até às prateleiras com as muitas caixas de sapatos e concluo que, estando a chover e tendo aquela roupa vestida, ou levo sapatos e molho os pés, ou levo as botas mais altas que tenho, mas que são quentinhas e não deixam entrar água.

Ó decisão maldita que não te apartaste de mim enquanto me não viste na rua montada nuns dez centimetros ligeiramente compensados à frente. Ao chegar ao meio da rua, amaldiçoava já as botas, os pés, a muy odiada calçada portuguesa e o mundo de uma forma geral. Tenho a impressão de que ao chegar à escola a raiva já tinha chegado a pontos inéditos: se me passasse diante das vistas um unicórnio rosa a distribuir amor e a espalhar pó de fadas pelos transeuntes, ainda assim provavelmente eu excomungaria o mundo e as botas, a calçada molhada e as muitas horas que ainda teria pela frente em cima delas. Enfim... À tarde, já meio conformada com a estupidez, sou informada de que me devo dirigir ao edifício tal para fazer isto e aquilo antes da aula seguinte. Lá arrasto eu os meus pés sofridos por paralelos mais desalinhados do que as nossas contas públicas. Lanço três ou quatro pragas contra a sorte maldita que fez com que no dia em que escolhera aquelas torres para calçar, toda a gente tivesse de achar que eu devia caminhar para a outra ponta do universo. Suspiros e mais suspiros, um ou outro palavrão engolido porque uma professora não pode dizer essas coisas e lá chego ao final do dia. O chão ainda molhado, a calçada ainda a existir para ser palmilhada (e dinamitada, sugiro eu) e os meus pés armados em Zés Povinhos a fazerem-me manguitos. Chego a casa e descalço as botas: parecem estar coladas aos meus pés. Paro, olho para as prateleiras com as caixas de sapatos e pergunto-me como raio consegue uma pessoa que tem mais de meia centena de pares de sapatos não ter NEM UM PAR DE BOTAS RASTEIRAS BOAS PARA A CHUVA! Ó sorte macaca... Depois de um dia a galopar sobre dois objectos de tortura esteticamente muito interessantes, acabo eu armada em Zé Povinho, figura odiosa, é preciso que se diga, a fazer manguitos a mim própria e à minha supina falta de jeito para tomar decisões matinais.

2 comentários:

  1. Também tenho a mesma sensação em frente às minhas prateleiras dos sapatos, nunca tenho aqueles que me fazem falta no momento. É triste! :) e uma boa desculpa para comprar só mais uns, Hehe...

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  2. ahaha fartei-me de rir com o teu texto. eu acredito que andar em botas esteticamente bonitas de 10cm, não seja lá muito confortante, e a sensação que deve dar em tirá-las. bem para o próxima já sabes, começa pelo calçado! =)

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