quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Um negócio

Como sabem, sou a rainha das revistas atrasadas. Assim sendo, só esta manhã consegui ler o texto que foi uma das razões pelas quais comprei a revista Sábado da semana de 2 a 8 de Julho, em cuja capa figurava Maria Barroso e Mário Soares. Mas nessa mesma capa, prometia-se um artigo sobre o "Fenómeno Chiado Editora - Em 7 anos passou de empregado do Ikea a patrão e dono de um Ferrari". Postas as coisas nestes termos, comprei a revista.

Já ouvi falar na Chiado Editora (tendo frequentado um Mestrado em Edição, era difícil não ouvir...) e nunca tive muito boa opinião sobre ela. Para quem não sabe, é uma editora que funciona com edições pequenas das quais uma parte é paga pelo autor. Segundo o que é explicado na Sábado, o autor envia o manuscrito para a Chiado, este é aceite ou não, mas seja como for o autor é contactado num prazo máximo de dez dias com a resposta da casa editorial. No caso de haver interesse para a publicação, ser-lhe-á feita uma proposta. Por exemplo, um dos casos referidos pela revista é de um  jovem que começou a escrever aos onze anos e que enviou um manuscrito para a Chiado Editora. Segundo a Sábado, "A resposta chegou poucos dias depois: uma edição de quinhentos exemplares, ficando o autor obrigado a comprar 150 (a 11 euros cada). Investimento total: 1650 euros pagos pelos pais.".

Portanto, ao contrário da maioria das outras editoras (que pagam para publicar), a Chiado parece ser paga para editar os livros de quem quiser mesmo ter exemplares à venda. Tendo em consideração a tareia que o mercado editorial tem sofrido nos últimos anos (é óbvio que com a crise, a venda de livros decresceu), a escolha das obras a publicar está muito mais apertada e acaba por assentar sobretudo em autores que já se sabe que venderão. Torna-se assim muito complicado para alguém que queira ver publicado o seu primeiro livro ser escolhido por uma editora. Alguns eventos como o Prémio Leya e outros que tais lá vão abrindo portas a um ou outro nome, mas, como é fácil de imaginar, a quantidade de pessoas que têm manuscritos que gostariam de ver publicados supera em muito a quantidade de autores "de primeira água" que consegue, de facto, ser aceite por uma editora. Assim, a Chiado opera a outro nível, cumprindo o sonho daqueles que querem os seus escritos em livro, à venda nas livrarias, com direito a ISBN, a apresentações públicas, enfim, o pacote completo. Mas para isso, na maioria dos casos, parece que é preciso pagar.

Ora, isto levanta a questão da qualidade. Se eu pago para publicar o meu livro porque há uma editora que o aceita nesses moldes, será que ele é mesmo digno de publicação ou não? Embora não me agrade o método utilizado pela Chiado, até acredito que no meio de tantos autores alguns tenham mesmo talento. O problema, e agora falo como leitora e compradora assídua de livros, é que não há muitos livros que se destaquem e tudo me parece uma amálgama de títulos. Bom, admitamos que algumas editoras que funcionam da outra forma também publicam romances cor-de-rosa tão ao monte que me pergunto como é que os leitores conseguem, antes de ler, seleccionar os que vale a pena comprar e os que devem ficar na prateleira. Nestes casos, lá está, o nome do autor deve funcionar como peneira e ajudar na escolha. Mas e quando aparecem aqueles autores estrangeiros novos? Os leitores só poderão ir por tentativa e erro, parece-me. Ora, com a Chiado, dado o facto de, por exemplo, só no ano passado ter publicado mais de mil livros, parece-me difícil distinguir o que vale a pena daquilo que mais não deve ter sido mais do que uma vontade enorme de ter o nome numa capa.

Na Feira do Livro de Lisboa deste ano, a Chiado Editora teve vários pavilhões carregadinhos de livros. À entrada tinha um caixote onde sugeriam a possíveis autores que ali deixassem o seu manuscrito. Diga-se que, enquanto ideia de negócio, é genial. Mas a todos os que vêem o mundo do livro de outra forma não deixa de fazer alguma confusão. Se financeiramente resulta, bom para a editora. A mim não me convence e, portanto, a consequência é que não compro livros desta editora. Uma vez mais: poderão existir bons livros a passar-me ao lado devido a esta minha maneira de entender a coisa, mas não conseguirão convencer-me. Aliás, a Sábado também refere o caso de um autor que escreveu um livro a partir da volta ao mundo que resolveu fazer em determinado momento da sua vida. Falou com editoras e recebeu, por parte da Chiado, uma resposta semelhante àquela que acima citei: publicariam quinhentos exemplares com o preço de onze euros cada e o autor teria obrigatoriamente de adquirir cento e cinquenta, custando dez euros cada um. O que o levou a recusar foi, em parte, o facto de não haver um comentário sobre o livro que enviou, a não ser a expressão "reconhecemos na sua obra potencial editorial". Para um autor que deseje uma crítica, ainda que breve, ao que escreveu, no sentido de perceber os seus pontos fracos e os pontos fortes, esta resposta não serve. A Sábado conta que a proposta feita neste caso em particular foi reformulada, mas que o autor recusou novamente.

No âmbito do Mestrado em Edição que frequentei, o caso da Chiado Editora era visto pelos professores com um misto de desdém e de caso de estudo. Se por um lado o mercado editorial está tão mau que precisa de ar fresco, por outro esta possibilidade de tudo poder ser publicado, basta para isso que a editora queira e que o autor pague pode desvirtuar muito o mundo do livro, particularmente numa altura em que ele não precisa de mais nada que o abale. A Chiado é um fenómeno (mesmo no marketing, sendo a sua página no facebook uma das que tem mais seguidores em Portugal, muito devido às frases inspiradoras que publica diariamente e que são partilhadas até à exaustão pelos internautas) no que isso tem de bom e de mau. Se permite que muitos vejam em livro aquilo que outras editoras não aceitaram, a verdade é que ao colocar tudo no mesmo saco corre o risco de ganhar uma fama pouco simpática de editora que não prima pela qualidade do catálogo, mas pela quantidade presente no mesmo. Cada um terá a sua opinião sobre o tema, mas a minha é mesmo a de que o trabalho de uma editora é em boa parte o de selecção e de melhoramento daquilo que depois poderemos adquirir nas livrarias. Nem tudo o que é publicado é bom, longe disso, porém existe alguma lógica para a sua publicação (ou porque, de alguma forma, se adequa ao catálogo, ou porque há um público específico para aquele tipo de livro...). Posso não apreciar tudo o que sai, aliás, todos sabem o que penso dos bestsellers, dos livros de auto-ajuda, da literatura cor-de-rosa, mas ainda aprecio menos a ideia de que pagando, tudo poderá ser livro (ainda que não acredite que a editora aceite tudo o que lhe chega, senão publicaria certamente muito mais de mil livros). Edições de autor sempre existiram, mas eram poucas: não existiam assim tantos autores a poder e querer pagar para ter um livro publicado, até porque sem marketing, sem uma casa editorial por trás seria difícil vender os exemplares. A Chiado veio, assim, mudar as regras do jogo e tornar mais fácil e apetecível a publicação por parte de quem não conseguiu a aceitação de outras editoras (ou que nem tentou). Não tendo veia de escritora, não sei o que se sente tendo um livro para publicar e vendo ser fechadas as portas das casas que podem tornar o sonho realidade. Mas valerá a pena pagar para ter o texto vertido em livro? Não me parece... Do ponto de vista da editora, o negócio parece dar lucro. Do ponto de vista dos autores, não sei.

E ainda a propósito de tudo isto, há umas duas semanas a minha mãe ligou-me. Disse-me que agora, às quartas e às sextas, vendiam livros no mercado aqui da zona. Fui ver para crer e lá estava uma banca no mercado, com livros a monte e pregões muito, muito barulhentos que anunciavam livros a dois euros. Eram quase todos da Chiado Editora.

1 comentário:

  1. Eu tenho uma ideia das editoras em geral que não é muito positiva, mas no caso da Chiado, isso é elevado ao extremo. Já tinha conhecimento que não era uma editora "confiável", e na verdade acho que não tenho nada deles, mas agora percebi o porquê. Se for como uma que conheço, nem revisão ao texto fazem. Pagas e acabou. Isso é uma verdadeira treta. Assim é fácil ter um ferrari. As edições de autor não vendem por uma razão muito simples: não há publicidade suficiente e há ainda aquela ideia generalizada de que "se as editoras não quiseram publicar este ou aquele livro, é porque não vale nada", o que pode estar completamente errado. Pagar pelos livros editados (como na Chiado) ou receber, na melhor das hipóteses, 10% do valor de capa, não é coisa de editora: é coisa de sanguessuga. Depois disto, pior é só ver uma editora tuga, que se intitula muito inovadora e amiga dos autores, que quer lançar novos talentos, dizer que o autor recebe sempre uma remuneração justa de 10% do valor de capa. Por isso, agora publica-se muito online, em formato digital, nem que seja por um preço muitas vezes simbólico. Assim não há sanguessugas.
    ********

    ResponderEliminar