Acabei hoje de ler o livro O Indesejado, de Sarah Waters e que, segundo informação constante da capa, foi finalista do Man Booker Prize de 2009. Por ter sido um romance que me levantou algumas questões sobre leitores e leitura, falarei aqui um pouco sobre ele (e depois devo pô-lo à venda no blogue Moinho de Vento - Livros Usados).
O enredo envolve uma família aristocrática que no pós-guerra inglês não encontra condições para manter a sua posição social. A degradação da família e das suas finanças será visível em vários aspectos, mas será a sua mansão que revelará ao mundo a desgraça em que o clã, outrora tão abastado, caiu. Dirão algumas personagens que a queda da família Ayres se deve às mudanças ocorridas num mundo que, entre outras coisas, havia experimentado guerras mundiais. Já não haveria lugar, portanto, à existência daqueles proprietários rurais em torno dos quais toda a aldeia ou vila se movimentava e que eram admirados por todos. Nesse aspecto o livro levou-me a recordar o que acontece na série televisiva Downton Abbey, na qual também uma vila existe em torno de uma só família aristocrata que, por sua vez, se vê com cada vez mais dificuldades para manter o estilo de vida e a influência sobre outros que desde sempre se habituaram a ter.
Mas voltando ao romance. Depois de sermos introduzidos na realidade quotidiana da tal família caída em desgraça e de percebermos em que ponto da situação cada personagem se encontra, percebemos que a história levar-nos-á a a assistir a uma sucessão de acontecimentos estranhos que vão permanecendo sem explicação ao longo do livro. A casa continua a ser o elemento central da narrativa e, dentro dela, as diferentes personagens vão viver um estranho conflito entre uma vida "normal" (dentro da decadência, claro) e uma existência cheia de acontecimentos bizarros e inexplicáveis que conferem a tal aura de mistério que faz do livro o pequeno vício que ele é. Sabemos desde logo pelo título e pela informação da contracapa que aquela casa esconde algum segredo, mas este, embora vá produzindo as suas vítimas, não é revelado desde logo. Assim, queremos ir lendo e virando páginas na esperança de encontrar o próximo acontecimento inexplicável e a dimensão que assumirá na história, mas sem que tudo nos seja entregue. Ainda que eu tenha considerado em determinado momento que a história estava a estagnar, a verdade é que depois avança e acabamos por ficar com a ideia de que essa fase mais parada da acção serve para preparar-nos e para dotar o leitor das informações necessárias para o que se seguirá. Um pouco à maneira dos policiais.
Ora, sobre o livro em si não revelarei mais nada para não estragar uma leitura que possam querer vir a fazer. Referirei apenas que enquanto entretenimento o livro é muito bom e que está muito bem construído dentro do género. Não vos direi se afinal a casa está assombrada ou não, mas direi que para quem gosta de livros onde o inexplicável está presente e deixa a sua marca (ainda que no fim o inexplicável possa passar a ser explicável... ou não), este romance é o ideal.
Agora, que questões foram aquelas que referi logo no início da quixotada? Bom, enquanto ia lendo e perante tantos mistérios, como leitora que sou ia levantando hipóteses e procurando compreender o que poderia estar a acontecer. A partir de um determinado momento houve um pormenor que começou a "cheirar-me mal" e pensei que a autora tinha de ser muito fraquinha para ser tão óbvia. Com a continuação comecei a pensar que se calhar não se tratava de uma falha, mas de algo propositado: era suposto o leitor reparar naquele detalhe (que a partir de uma dada altura já não é apenas um pormenor) e não o perder de vista. No final percebe-se que é isso que faz sentido: a autora construiu o seu texto de modo a deixar pistas ao leitor. Ora, aqui entra a ideia de leitor experiente, aquele que além do que está escrito, lê e decifra os sinais que lhe vão sendo deixados aqui e ali. Quem primeiro me falou disto foi a minha professora do secundário. Dizia-nos que além do texto há pormenores simbólicos que informarão o leitor mais experiente sobre o que virá a seguir. Dava como exemplo Os Maias e os muitos pormenores que nas descrições passam ao lado dos alunos, mas que estão lá a servir de indícios para o rumo que a acção tomará daí em diante. Com O Indesejado aconteceu isso e aquilo que inicialmente julguei ser falta de jeito da escritora passou a ser, afinal, o contrário. Mas depois fiquei a pensar: será que num livro onde se quer mistério do início ao fim, onde a dúvida sobre a presença de uma assombração ou não dá um gosto particular ao texto, estas pistas trarão algum benefício à obra? N'Os Maias esses indícios fazem todo o sentido e estão tão diluídos no texto que só mesmo os leitores mais experientes ou os que não o sendo são para eles alertados se deterão neles. Neste caso, e sem saber a vossa opinião, a minha dúvida foi: num livro como este, em que se quer um leitor agarrado à história para saber afinal o que se passa, estes pequenos indícios, sinais, estranhezas enriquecerão o livro ou, pelo contrário, empobrecê-lo-ão? Não tenho mesmo resposta, mas acho que bom bom é quando os indícios são fortes, levantamos a nossa hipótese e depois a realidade é outra, melhor ainda quando é a oposta, a menos provável, aquela em que nunca pensaríamos. Julgo que é algo comum a todos os leitores: gostamos de ser surpreendidos. Ora, quando os indícios são fortes e num livro de mistério se verificam mesmo, o factor surpresa cai por terra. Mas e se os indícios forem fortes e no fim sobrar a dúvida, já farão mais sentido?
É um mundo complexo este. Em todo o caso convido-vos a ler este livro para perceberem do que estou a falar. Como entretenimento é óptimo e, de facto, tem a capacidade de envolver o leitor página após página. No fim de contas, o balanço é positivo, que é o que se quer.
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