Eu sempre procurei explicar aos meus alunos, desde o básico até ao secundário, que os livros têm de ser lidos para que saibamos bem de que tratam eles. Mas isto é problema velho como o tempo: no fim há sempre um bom punhado de garotos que opta por ir à internet procurar uns resumos e eu acabo invariavelmente a perceber que foram todos beber à mesma fonte e que poucos foram, realmente, ao livro.
Que miúdos da escola falem de livros sem os terem lido é coisa que me chateia, agora que o ex-Primeiro Ministro tenha aceitado (sim, está certo assim, ninguém precisa de vir dizer que “é ‘tenha aceite’ que se diz”) apresentar um livro sem o ler atentamente primeiro é no mínimo embaraçoso. E que esse mesmo senhor, quando já confrontado com o vergonhoso conteúdo do livro, venha dizer que não volta com a sua palavra atrás é de doidos! Mas ainda mais de doidos é que depois acabe por decidir esquivar-se à tal apresentação porque leu o livro e percebeu que havia um filtro que não havia sido utilizado e que não, não houve pressões do partido para fugir à apresentação...
Eu julgava que as pessoas liam os livros antes das apresentações e, sobretudo, antes de aceitarem apresentá-los. Afinal parece que não. Aqui o azar grande foi que o conteúdo do livro é embaraçoso e ofensivo para muita gente. E o nosso ex-PM fica associado a esse pouco digno pedaço de papel, mesmo tendo decidido abdicar da apresentação depois da polémica estalar.
Agora sobre o livro de que tanto se tem falado. Pelo que percebi do que fui lendo e ouvindo, o que ali está é de pouco proveito. O meu receio é que tanto alarido em torno do livro, juntamente com o cancelamento da apresentação, leve a que a curiosidade fale mais alto e que as pessoas corram a comprá-lo. Lembram-se do fenómeno Eu, Carolina? Pois, o meu receio é o de que se gere algo semelhante. Assisti ao programa “Eixo do Mal” da semana passada e, segundo o que foi dito, ainda que a montanha pareça ter parido um rato, isto é, ainda que o conteúdo não seja tão pornográfico quanto se possa à primeira pensar, não deixa de abordar algo que é da esfera privada. Se algumas ou todas as pessoas referidas no livro revelaram aqueles pormenores ao seu autor, o bom senso e a amizade que os terá unido deveriam imperar e nada daquilo deveria ser revelado. Mais grave ainda é o facto de se falar da vida privada de pessoas já falecidas. Ninguém virá novamente à vida para se defender disto ou daquilo e, portanto, aquilo que se diz sobre ela ficará para muitos como verdade porque não há outra versão com que a confrontar. Isso é terrível. Se há coisa que julgo dever ser respeitada é a memória. Quando a pessoa que morre é um grande vulto histórico e o facto que sobre ela se apresenta, por mau que seja, é também parte da História, então não há muito a fazer. Contudo, estamos, com este livro, a falar da vida sexual de pessoas que, ainda que sejam importantes na nossa vida política, não são com certeza vultos históricos e, ainda que fossem, em que é que a sua vida sexual nos pode interessar?
Já conheço dois casos de pessoas que procuraram o livro precisamente devido à polémica. Ou seja, o autor já ganhou uns trocos com toda a confusão gerada em torno desta aparente invasão de uma esfera privada que, para mim, devia ser intocável. Lamento que assim seja. Pela minha parte, acho que devíamos pôr-nos no lugar dos visados e imaginar o que seria invadirem de tal forma a nossa privacidade, deitarem ao mundo os nossos segredos, talvez partilhados no seio de uma amizade e agora atirados à ventoinha para que se espalhem por aí em forma de livro que dará lucro. Não o lerei e muito menos o comprarei. Não vou apresentar o livro, pelo que não preciso de lê-lo. E quanto ao que ele contém, acho que já foi falado até à exaustão. Neste caso, contrariarei a ideia de que é preciso ler um livro para saber do que trata. Recuso-me a entrar nesta brincadeira de espiolhar a vida privada. Quando o quiser fazer, faço-o com aqueles que aceitam que se lhes espreite o que não devia ser público e assisto à "Casa dos Segredos". Sempre é um mal menor, comparado com o outro, ainda que pouco recomendável também...
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