O meu moço começou a votar na escola onde fiz os meus dois primeiros anos e meio de ensino básico. Ou seja, vai, a partir de agora, votar no estabelecimento de ensino onde aprendi a ler. Eu, infelizmente e até que o cartão do cidadão caduque, continuarei a votar na escola onde concluí o último ano e meio do primeiro ciclo do ensino básico.
Claro que não perdi a oportunidade de ir com ele e de visitar a escola, até porque desde que saí de lá (mais ou menos no mês de Março de 1994, vejam bem!), nunca mais lá entrei. Queria muito poder ver a escola novamente, mas nunca foi possível. Hoje, enquanto acompanhante de um eleitor, entrei no pátio onde brinquei tanto, passei junto ao gradeamento onde, num certo dia, entalei a minha cabeça (nem perguntem...), entrei no edifício pela porta junto da qual enchi um casaco de tinta, devido ao inteligente facto de me ter encostado a uma parede acabada de pintar... Depois, lá dentro, o moço foi votar na sala que eu recordo como o “polivalente”, a sala onde víamos filmes, assistíamos a palestras (sabíamos lá nós na altura o que era uma “palestra”) e onde, para mal dos nossos pecados, nos davam o maldito elixir bucal que tão mal sabia. Depois, afastei-me um pouco da sala e, num esforço de memória, apercebi-me de que estava em frente à sala quatro. Hoje era mais uma mesa de voto, mas para mim foi uma viagem no tempo: foi a minha sala de aulas, foi ali que aprendi a ler e a escrever. E o mais giro é que do lado de fora consegui ver a paisagem que se via pelas janelas e recordei-me de uma das minhas memórias mais antigas: no meu primeiro ou segundo ano, umas semanas antes do Natal, estávamos naquela sala a pintar desenhos alusivos à quadra natalícia, usando lápis de cera. O céu estava muito cinzento e o dia de escola estava quase a terminar. A minha mãe iria buscar-me dali a pouco. Lembro-me, é essa a minha memória, de estar a olhar lá para fora e daquilo que via pela janela. Foi o mesmo que vi hoje.
Para o comum dos mortais, vale o que vale. Mas para mim valeu muito porque gostei bastante daquela escola, fui muito feliz ali dentro e saí tão de um dia para o outro que nunca tive a oportunidade de despedir-me daquele lugar como devia ser. Tirando uma ou outra imagem, na minha memória era impossível reconstituir aquele espaço e hoje consegui dar um novo formato às coisas de que ainda me lembrava. A sala quatro, do pouco que consegui ver além das janelas, pareceu-me igual àquilo que recordava e até a cor da parede do fundo fez soar um certo alarme na minha memória. Lembro-me perfeitamente de estar concentradíssima a desenhar, pelas primeiras vezes, a letra “f” manuscrita. Agarrando o lápis com força e com a minha falta de jeito para a caligrafia bonita (que felizmente acabou por entrar na minha vida mais tarde, ali pelo final do secundário), ia desenhando aquela letra tão cheia de voltas e de rodopios, bailarina em cadernos pautados, tirana dos jovens aprendizes. Foi ali, naquela sala, que a minha vasta biblioteca começou a tomar forma, ainda que só na minha cabeça e apenas através das histórias que nos contavam. Foi ali que a leitora que hoje sou nasceu e isso, tão meu, não deixa de ser importante para mim.
É engraçado como um dia de eleições pode ganhar outra dimensão com este simples passeio a um lugar onde fui feliz, ao lugar onde tudo começou. Bem poderão dizer que isto é parvoíce, que se não fosse naquela escola, seria noutra qualquer porque aprender a ler, toda a gente aprende, seja onde for. Até pode ser. Mas há um pormenor: é que fui mesmo feliz ali, fui feliz a aprender as primeiras letras naquela sala, naquela escola pública que servia um público tão carenciado de bairros complicados aqui perto e que o fazia tão bem, especialmente se considerarmos que foi há mais de vinte anos. Aquele foi um lugar que me ficou para sempre no coração e que tive pena de nunca mais ver por dentro. Pude fazê-lo hoje e pude, finalmente, voltar a ver-me numa mesa pequenina, com os pés a balançarem por não chegarem ao chão, a pintar com lápis de cera ou a desenhar “f”... Pude, no fundo, ver-me no princípio de tudo o que sou agora.
Tão giro :) Eu voltei à minha escola primária no final do 12º ano, quando precisámos de um espaço extra para um evento e acabaram por enviar os mais velhos para uma escola primária só para nós. Pareceu-me tudo tão pequeno, mas achei simbólico: o fim da escolaridade a terminar onde tudo começou :)
ResponderEliminarGanhamos um afecto especial pelos lugares da nossa infância. Mais ainda quando fomos felizes neles como eu fui naquela escola. Tinha muita pena por nunca mais ter voltado e por não me recordar de tantas coisas. Hoje pude recordar alguns por enores, embora tivesse gostado de dar uma voltinha maior pelo sítio. Mais memórias surgiriam, com certeza. :)
EliminarÉ verdade :) Pode ser que nas próximas eleições possas dar uma volta maior pela escola e ver mais cantinhos!
EliminarSe calhar, passaste por mim e nem sabes, nem tu, nem eu!!
ResponderEliminarEu não voto na escola onde andei. Agora vivo noutro local e a minha primária não é um dos locais onde se vota. Mas já cheguei a ir lá uns anos depois de ir para outro estabelecimento de ensino. Na verdade. Houve ali um período em que a minha escola primária esteve em obras, e voltar lá uns tempos e ratos depois, já foi estranho, quanto mais, anos =)
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