quarta-feira, 20 de maio de 2015

Todos os dias nos entram crimes pelos olhos dentro. Basta ligar a televisão e lá estão eles. Normalmente anónimos, ferem-nos cada vez menos de tão adormecidos que vamos ficando relativamente à dor alheia. Chegamos a bocejar, a dizer que os noticiários são sempre o mesmo, esperamos por aquela parte em que se fica a saber o tempo para o dia seguinte e os vencedores dos jogos de futebol. Já estamos neste ponto: é tanta dor, tanto desatino que já não há terminais nervosos que cheguem nem lágrimas que queiram cair. 

Mas um dia chega em que a vítima não nos é estranha. Ou porque a conhecemos ou porque conhecemos alguém de quem ela é próxima e aí pára o mundo. Afinal o crime é mesmo mau e causa mesmo vítimas e dor. Não gera apenas números, como nos vamos habituando através da banalização a que vai sendo sujeito nas televisões. Um dia percebemos que alguém que é assassinado é pai de alguém, filho de alguém, amor da vida de alguém e nesse dia sente-se tudo o que não se sentiu antes com todos os mortos que nos foram sendo anunciados, verdadeiramete enumerados nos noticiários. Há um dia em que uma daquelas notícias escabrosas traz como principal vítima alguém muito, muito próximo de outra pessoa com quem, ainda que brevemente, nos cruzámos. O coração fica pequenino, o nó na garganta enorme. Aí é inevitável pensar que haveria ainda tempo para essa pessoa estar com os seus, se um assassino lho não tivesse roubado. Aí temos de pensar que esse homem, esse marido, esse filho, esse pai, morto por razão nenhuma, merecia cada segundo da sua vida, merecia viver mais e que lhe não fosse sem direito roubada a vida que era sua e dos que o amavam. 

E dói pensar que para essa pessoa a vida se apagou, assim como se apagou a alegria de todos os se apenas por existirem seriam a sua própria alegria. Porque alguém foi mau o suficiente para matar, muitos chorarão e revoltar-se-ão. Quererão com o seu ente querido o tempo que foi roubado e não terão mais do que o da despedida no velório e no funeral. Não é justo. E quem matou? Por cá andará, pagará ou não pelo crime, mas para aqueles cuja vida atingiu, pagará sempre muito pouco. Não é justo. 

Aconteceu isto a alguém que em tempos conheci e eu não consigo, não consigo mesmo, imaginar o que seja perder um pai assim. E também não sei o que lhe poderia dizer. Só sei que não é justo, que não há tamanho, medida ou palavras para descrever tanta crueldade e tanta dor causada por nada. 

Desta vez a notícia não foi só mais uma. Morreu um homem e um filho chorará o tempo que não terá com o pai. Esse filho não se despediu do homem que lhe deu a vida e nunca perceberá o que justificou  que roubassem a existência de uma das pessoas que mais amava. 

Não consigo imaginar o que se sente nestas circunstâncias. E também não consigo desejar força aos que ficam a chorar esta morte porque não há força que chegue perante tamanha barbárie. Na realidade, não sei sequer o que dizer agora, quando tudo deixa de ser alheio e distante e nos toca, de facto, na pele. 

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