domingo, 18 de janeiro de 2015

Ai não me digam que era mentira...

Aaaaah... Tiraram-me o tapete de debaixo dos pés. Estou descoroçoada! E agora, gentes? E agora, pá?! Isto realmente já não se pode ter fé em nada, nem acreditar nas criancinhas que depois vem a saber-se que era tudo mentira e é um desgosto de todo o tamanho. Porra! E o pior é acordar num Domingo de manhã e constatar que afinal há meninos que não vão ao céu, coitaditos. Que inventaram tudo. Que foram uma espécie de fanáticos por celebridades só que em vez de o serem com uma das Kardashians, resolveram sê-lo com Jesus e os anjinhos. E depois despejaram tudo em livro, venderam milhões de cópias (alegam que nem lucraram nada com isso) e revelam o engodo. Que inesperado!

Segundo a revista Visão, o protagonista do best-seller O Menino que Voltou do Céu revelou agora que tudo o que contou ao pai depois de ter estado em coma devido a um aparatoso acidente de viação era, pasmem-se, mentira e que apenas disse o que disse, pasmem-se ainda mais, para chamar a atenção. Nãããããããão, é impossível: as crianças não mentem nem chamam a atenção, não sei de onde saiu essa ideia agora! Portanto, dez anos depois dos "factos" e já com dezasseis anos de idade, o menino pôs a mão na consciência e afirma que não privou com Jesus nem com anjito nenhum. É triste. A mãe do jovem, por outro lado, apressa-se logo a vir dizer que a família não ganhou nada com o livro, que quem lucrou não foi quem lutou pela vida no hospital blá blá blá blá. Pois claro. Porque os Direitos de Autor nem existem nem nada. E o livro nem esteve no top de vendas nem nada. Vamos só dizer que a adolescência é tramada e que este menino, que teve a coragem de admitir que mentiu com os dentes todos e que não foi ao céu trocar dois dedos de prosa com Jesus, deu cabo de um livro que, a julgar pelos gostos de hoje em dia, era adorado por muita gente e gerava receita. Se a família não lhe tocou, não sei. O que sei é que se o livro foi um best-seller, o dinheiro tem de estar em algum lado e duvido que ficasse apenas nas mãos da editora.

E isto, minha gente, que a mim me dá vontade de rir, devia alertar os consumidores deste tipo de historiazita para a gigantesca probabilidade de todos os outros textos do género não terem origens muito diferentes e, assim, não passarem de histórias rocambolescas imaginadas por crianças em momento de carência afectiva ou, até, por adultos que não sabem onde ir buscar uns trocos e que acham que um livro de espiritualidade e auto-ajuda cai sempre bem. Acredito que se de facto alguém tivesse uma experiência deste tipo, guardá-la-ia para si e não correria a pespegá-la num livro de milhentas páginas à espera de resultados de vendas e dos direitos que dali têm de vir. Quantas vezes acontecem coisas difíceis de explicar e ficamos caladinhos, guardamo-lo para nós e pronto? Mas não: o menino vai ao céu?! Maria, corre a buscar papel que o menino foi ao céu e está aqui a nossa galinha dos ovos de ouro! 

Mas agora a galinha esfarrapou-se toda e deu cabo dos ovos, da possibilidade de uma sequela e, e eventualmente, prejudicou outras galinholas do mesmo género. E só não deu cabo delas de uma vez porque haverá sempre quem precise destas historietas para viver melhor. Existirão sempre pessoas a quem a Bíblia e a hagiografia não chega: precisam de histórias de gente de agora a viver momentos de êxtase etéreo. E se for com criancinhas, tão cândidas,tão incapazes de mentir, melhor ainda. Ora aí está no que dá tanta credulidade, tanta fé em histórias da carochinha: em pseudo-anjinhos caídos do céu aos trambolhões.

2 comentários:

  1. Sra professora, diz-se e escreve-se Descoroçoada. Escoroçoada/o não existe

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    1. Obrigada, Sr. Anónimo. Apanhou-me uma gralha. A falta de um "D" causa destas aberrações. A Sra. professora agradece-lhe a atenção.

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