segunda-feira, 7 de maio de 2012

O saber não ocupa lugar

«Repita-se que aprender e pensar é trabalhoso mas interessante, e que estas duas actividades propiciam incomensuráveis alegrias ao ser humano.»

Maria Lúcia Lepecki, "A vida íntima das palavras",
Revista Super Interessante, n.º 99, Julho de 2006.


Fui, em 2006/2007, aluna da Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Lepecki na disciplina de Teoria da Literatura I e posso dizer que a reconheço nestas palavras que, por essa mesma altura, publicou. Ela era, e uso este tempo verbal porque, infelizmente, já não se encontra entre nós, uma apaixonada pela aprendizagem e pelo pensamento. Mais: ela irradiava esse gosto e nós, sentados diante dela, éramos inevitavelmente envolvidos neste gosto. Não foi com esta professora que aprendi a esmiuçar a sério um texto literário, mas ela ajudou a consolidar esse conhecimento. Era da velha escola que parava para olhar para todas as palavras que o escritor desenhara no papel e que na sua junção via um sentido. Foi num teste dela que li o primeiro excerto de Saramago depois da tentativa falhada de, aos doze ou treze anos, tentar ler o Memorial do Convento. Foi por causa desse teste, coroado com um dezoito numa cadeira tida como dificílima, que comecei a comprar a obra do nosso Nobel.
A professora Maria Lúcia Lepecki faleceu há relativamente pouco tempo e levou consigo um mundo de conhecimentos que não posso sequer tentar imaginar. Mas se consigo levou muito, a verdade é que também é enorme o legado que nos deixou. Ao ler esta frase, com que topei num dos manuais escolares em uso no próximo ano lectivo, senti muita pena por ter passado tão depressa o tempo em que partilhou connosco o seu saber, mas fiquei, também, satisfeita por ler duas linhas cheias de um significado que não poucas vezes se esquece. Olho para alguns alunos e percebo que não retiram qualquer prazer do processo de aprendizagem e que, pior, não percebem para que é que têm de aprender.

Contava-me, no ano passado, um colega que um aluno lhe perguntara porque tinha de aprender Latim se não queria ser professor dessa disciplina. Ficámos chocados: alunos como este ainda não perceberam que "o saber não ocupa lugar" e que nos enriquece, tenha ou não posteriores aplicações. No caso do Latim até existe aplicação (por exemplo, ajuda a compreender a gramática da nossa língua), mas ainda que não tivesse, não deveriam os miúdos ficar satisfeitos por conhecerem algo que muitos não conhecem?

Creio que boa parte dos problemas de insucesso escolar se devem, precisamente, a esta mentalidade desmotivada dos alunos que só querem aprender o que lhes dá jeito e gozo de forma imediata e que não se divertem a apreender novos conhecimentos. Dizia-me um professor no primeiro ano da faculdade que "sabemos de cor aquilo de que gostamos, aquilo que fica no coração" e que a palavra "cor", que tão frequentemente utilizamos, nasce da palavra latina para "coração". Nem tudo o que aprendemos fica no coração, é certo. Não guardo grande amor às equações e às expressões numéricas, mas aprendi-as. Esforcei-me e ainda que hoje não as saiba resolver, pelo menos posso dizer que em tempos as aprendi. Alguns conhecimentos foram uma tortura: eu, como todos, não fui talhada para todas as áreas, embora gostasse de o ser. Ainda assim, mantive o gosto pela aprendizagem e sei que me torno muito mais rica a cada novo livro, a cada novo artigo que leio. É um processo trabalhoso, como disse a professora Maria Lúcia Lepecki, mas gratificante. Sei coisas que talvez nunca utilizarei, mas e depois? Sei-as e é o que importa. 

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