Lembro-me de que quando andava na escola, na primária e depois também, terminava as aulas e vinha para casa. Lanchava uma sandes e uma caneca de leite com chocolate e a seguir ia fazer os trabalhos de casa. Cumpridas tais tarefas, o resto do dia era meu. Podia brincar ou ler até à hora de jantar e, mesmo depois deste, ainda podia ver alguma televisão até à hora de ir dormir.
Podia escolher a que queria brincar, que brinquedos usaria, que desenhos animados veria. A minha missão ficara cumprida na escola, o meu dia de «trabalho» havia chegado ao fim. O resto do dia era meu. Nunca tive actividades extracurriculares, nunca quis fazer nenhum desporto (sou alérgica a tal coisa) e portanto tinha tempo para tudo.
Escrevo isto porque hoje percebo que esse modo de vida tão infantil tem os dias contados, isto para não dizer já que morreu mesmo. Os miúdos têm, para além da escola, três, quatro ou até cinco actividades diferentes que chegam ao cúmulo de lhes ocupar os fins-de-semana. Ouço os meus alunos mais novos falarem no que costumam fazer e fico louca ao pensar que o seu número de horas de actividade não é muito diferente do meu. É uma insanidade que terá, sabe Deus, que resultados nestes miúdos. Não deixo de ficar de boca aberta quando fico a saber que o único momento de descanso que uma aluna de dez anos tem durante uma semana inteira acontece ao Domingo à tarde. Será isto normal? Far-lhe-á bem? Haverá algum sentido em estarmos constantemente a colocar os miúdos em contextos de aprendizagem (seja no Inglês, que muitos frequentam como actividade extracurricular, seja no piano, seja no ténis) e não lhes dar nenhum momento de sossego além das obrigatórias oito horas de sono diárias?
Esta ânsia em manter os miúdos ocupados durante vinte e quatro horas é fruto da vida maluca que vamos levando: os pais têm um dia preenchido e não têm forma de tirar os filhos da escola a meio da tarde, quando terminam as aulas. Resultado: vêem-se obrigados a ocupar o tempo dos miúdos de modo a poderem cumprir aquilo que têm a cumprir nos seus próprios empregos. Mas note-se que isto não explica o facto de alguns pais arranjarem actividades extracurriculares para ocupar os Sábados e os Domingos dos filhos...
Não defendo isto. Aliás, como já perceberam, é coisa que me custa a compreender. Os miúdos, que tantas vezes são tratados como bebés, não podem ter horários próprios de adultos. Os miúdos não deviam poder responder que não vão poder escrever um texto porque vão ter piano e natação no mesmo dia. Os miúdos também aprendem quando brincam e, mesmo que a sua vontade seja estar de papo para o ar no sofá, também devem poder escolher o que vão fazer a seguir. Protegem-se tanto as crianças, passa-se-lhes tanto a mão por cima e, afinal, neste ponto ninguém toca. Mais violenta do que a carga horária na escola, que é obrigatória, é a carga horária de uma escola paralela para meninos e meninas futuramente muito prendados que os pais, no fim de contas, só escolhem porque querem.
E depois admiram-se que eles brinquem durante o tempo de aula, alguns não têm mais nenhuma oportunidade para o fazer... Eu acho que alguma actividade para além das aulas não lhes faz mal nenhum, mas devem ser tomadas opções e não inscrever as crinças em TODAS as actividades que existem.
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