domingo, 3 de abril de 2016

A novela ou o vôo do cérebro (para bem longe)

Diz-me a Wikipédia (esse poço de sabedoria) que a novela Única Mulher, da TVI, começou a 15 de Março de 2015. Já vai, entretanto, na segunda temporada, coisa inédita em novelas portuguesas. Portanto, já está a passar na televisão há mais de um ano.

Admito que durante algum tempo segui a história daquelas personagens todas. Infelizmente, sou criatura com um trabalho mentalmente tão extenuante que quando chego a casa preciso de encher o meu cérebro com lixo televisivo de maneira a desligar do dia que tive. Não comecei a ver a novela desde o início, mas lá consegui apanhar o fio à meada e os dias foram correndo.

Portanto, a coisa funcionava assim: menina rica angolana apaixona-se (e é correspondida) por menino  rico português. Muita confusão pelo meio e nunca podem estar juntos e sossegados. Pelo caminho ela dá umas escapadinhas com outros, ele dá muitas escapadinhas com metade do elenco feminino da novela (mas atenção: amando sempre muito a menina angolana rica). O pai dele e o pai dela odeiam-se. O pai dela leva um tiro na cabeça que mataria qualquer ser vivo à face da terra. O pai dele vai preso e paga o pato, mas afinal não tem culpa de nada. O pai dela aparece vivo e com uma cicatriz de nada na cabeça (cicatriz essa que, ou muito me engano, ou acabou por desaparecer com o decorrer da novela). Vem decidido a vingar-se. Há uma personagem que tem uma empresa de acompanhantes de luxo que, afinal, também é mau como as cobras e também anda ali a ameaçar e a matar a torto e a direito. Pelo caminho, o menino rico português tem uma mãe que também é mais ou menos como as baratas: se vier uma bomba que arrase com isto tudo, só sobram as baratas e ela. Já andou direita que nem um fuso, já foi parar a uma cadeira de rodas, já anda novamente direita que nem um fuso, já teve uma cara imaculada, já teve uma enorme cicatriz de queimadura numa das faces, já tem outra vez uma cara imaculada. As filhas da menina rica angolana que se apaixonou pelo menino português já foram raptadas ou em vias de o ser algumas duzentas e oitenta e sete vezes. Eu já teria feito um seguro de vida às miúdas que aquilo é mais precioso que o ouro. Já para não falar dos quatro mil novecentos e oitenta e dois problemas que a personagem interpretada pela actriz Rita Pereira enfrenta, muitos deles envolvendo o filho, o Júnior, que também já esteve mais vezes em perigo de vida do que um pescador de caranguejos no Alasca.

Isto é tão vertiginoso que me fartei e desisti da novela. Mas tenho por hábito ver diariamente na aplicação "Sapo Jornais” as capas dos diários e, uma vez por semana, as capas das revistas. Eu não sei se o que vem nas capas das revistas é verdade ou não, mas a ser, multipliquem o que eu disse por dez. Afinal as crianças da novela já estiveram todas em perigo de vida; provavelmente oitenta por cento das personagens já foram raptadas sempre pelos mesmos tipos e o tipo rico português já voltou a trocar de braços femininos mais umas quantas vezes. Note-se que em Outubro do ano passado iniciou-se a segunda temporada desta novela, tornando-a assim numa espécie de série. As personagens regressaram, apareceram uns mauzões novos... Enfim, uma preciosidade que parecia recomeçar. Mas como já andávamos desde Março a ver tudo a acontecer a toda a gente, foi basicamente mais do mesmo, pelo que percebo. Quando de vez em quando perco dez minutos no meio do zapping a ver como pára aquela trapalhada toda, percebo que é disso mesmo que se trata: de uma enormíssima confusão que parece extremamente repetitiva.

Quando me lembro das novelas brasileiras que via na minha infância (algumas adaptadas de textos literários), ou mesmo de algumas portuguesas que deixaram muito boa gente colada ao ecrã, pergunto-me para onde foi aquela capacidade belíssima de não complicar. Havia uma acção principal, várias secundárias e as coisas eram construídas de maneira a que em casa não vomitássemos a novela a determinado momento. Recorrer mil e duzentas vezes ao rapto não me parece inteligente ou interessante: parece-me cansativo. Ter um casal muito apaixonado como principal, mas depois ter os dois a picar o ponto aqui e ali a todo o momento também não é muito coerente. Ir fazer novelas para lugares distantes e depois ter um enredo que, para mim, já ultrapassou o absurdo é só mandar dinheiro fora. E quando penso na quantidade de boas histórias que por aí andam em livros, clássicos ou não, para depois nos servirem estas coisas em quantidades tão industriais que até já vêm em temporadas... até me dá uma coisa! Além disso, antigamente as novelas durariam uns seis ou sete meses. Agora podem ultrapassar bem um ano! Quem aguenta??? Eu não, certamente.

Portanto, agora chego a casa e não tenho com o que esvaziar o cérebro. É que por muito que quisesse fazê-lo com aquela novela, a ideia era descansar o cérebro e não abdicar dele durante uma hora.

2 comentários:

  1. Amo uma telenovela brasileira. Não suporto as portuguesas que andam por aí... Espero ansiosa pelo próximo êxito da Globo em horário nobre. Não há forma melhor de terminar o dia :)

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  2. Não tenho paciência para novelas (mas também não tenho televisão, ahah). Vi algumas brasileiras e outras portuguesas há alguns (muitos) anos atrás mas não é coisa que me diga muito (a não ser que contes o Grey's Anatomy como uma novela, porque aquilo já tem muito pouco de série). Uma coisa concordo: tantas boas histórias que andam por aí, não há desculpa para argumentos pobres e repetitivos!

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