Na faculdade, um dos cadeirões do curso, além de Teoria da Literatura, era Literatura Comparada. Foi provavelmente uma das disciplinas que mais me ensinou e de cujas aulas mais saudades sinto. Lembro-me de que uma parte do programa tinha que ver com a memória e que abordámos muitos textos literários, procurando a presença da memória mesmo quando ela não era propriamente óbvia.
Talvez por isso ou por outros motivos, a questão da memória fascina-me. E não falo apenas da nossa capacidade para reter a informação que vamos aprendendo: falo também daquilo que vai constituindo a nossa vida, dos acontecimentos pelos quais passamos e que ficam, mais ou menos guardados, dentro de nós. Fascina-me ainda mais que memórias aparentemente perdidas surjam através de um cheiro, de uma música, de uma voz. Enfim, de “gatilhos” que nos levam a viajar no tempo até memórias muito boas, assim assim ou péssimas.
E não deixo de pensar que é uma pena que, quando alguém termina a sua vida, leve consigo todas as suas memórias. A quantidade de lembranças interessantes que perdemos de cada vez que alguém desaparece é muito perturbadora. É verdade que podemos sempre escrever o que nos preenche e deixar cá testemunho das memórias que nos fizeram para que os nossos filhos, netos, bisnetos, saibam mais sobre nós e, em última análise, também sobre eles. Mas não é o mesmo. O livro que escrevemos nunca é o que nos esteve na cabeça. É uma imagem, mas imprecisa, daquilo que nos ocorreu contar. Na minha memória há cheiros, rostos e sons que nenhum papel do mundo, com as mais bem escolhidas palavras, poderá reproduzir. É essa a beleza das memórias: são absolutamente pessoais, completamente intransmissíveis. São únicas e nossas, apenas nossas. Mesmo que abramos a janela do que nos preenche e partilhemos estas experiências com o mundo, serei sempre eu a única a compreender em definitivo o que salvou determinado momento do inevitável esquecimento e o gravou inequivocamente em mim. Serei eu quem reconhecerá o perfume que evoca determinada memória e só eu saberei ao certo o que senti em determinada situação. Não há palavras que sejam exactas a esse ponto e, por isso, diariamente deixamos escapar milhares de memórias pessoais que não têm lugar em caderno nenhum do mundo.
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