domingo, 19 de julho de 2015

Emma, o balanço

De Jane Austen havia lido há alguns anos o seu famoso Orgulho e Preconceito. Embora tenha, na altura, ficado um pouco aborrecida devido ao facto de a acção parecer andar sempre em torno de casamentos e de jovenzinhas que não descansavam enquanto não arranjassem um moço à altura, os anos passaram, as sinapses cerebrais passaram a funcionar melhor e a minha ignorância também se atenuou ligeiramente. Isto porque percebi que... o livro não podia ser de outra maneira. Primeiro, a autora abordava o tema do casamento e do importantíssimo lugar que ele desempenhava na sociedade inglesa da época porque, de facto, era algo que fazia sentido naquele tempo. Em segundo lugar, não podia ficar presa apenas ao tema. Havia na obra muito mais para ver e apreciar e eu estava estupidamente a reduzir o texto a apenas uma das suas componentes. E o estilo da autora? E o modo como a narrativa estava construída? E as personagens, umas tão modeladas e outras tão planas? Mais: estava a esquecer-me de aplaudir o facto de ser aquele um livro escrito por uma mulher em tempo de homens e de aquele mesmo romance ser, ainda hoje, sobejamente lido e adorado. Um clássico, portanto. Em minha defesa, li o Orgulho e Preconceito enquanto curava uma amigdalite ali nos inícios dos meus vinte anos. A febre e a burrice da altura não davam para mais.

Agora, em contagem decrescente para as três décadas de vida, li outro romance de Jane Austen: Emma. A edição não é das melhores, mas ainda nenhuma editora fez uma recente deste romance. Parece que agora estão a reeditar-se vários livros de Austen, pode ser que este esteja previsto para a próxima fornada. Mas vamos lá então ao livro Emma.

O título do livro é o nome da personagem principal. Trata-se de uma jovem rica, que frequenta a boa sociedade lá do sítio, que não tem de preocupar-se com dinheiro e, consequentemente, com o casamento. Aliás, durante boa parte da narrativa ela apregoa que não pretende casar-se. Contudo, não deixa de pensar em casamento. Paradoxal? Não. Como Emma não está apaixonada por ninguém e como a sua situação económica não a empurra obrigatoriamente para um casamento, a sua maior diversão é servir de casamenteira para aqueles com quem convive e que estão em idade para isso. O livro começa precisamente com a referência a um matrimónio arranjado pela protagonista e que uniu a sua preceptora a um cavalheiro local, viúvo de longa data. O sucesso deste enlace veio a imprimir em Emma a ideia de que tinha de facto um significativo talento para unir casais e levar a matrimónios felizes. Assim, procurará continuar a interferir na vida de quem se puser a jeito para isso. A principal vítima será a pobre Harriet Smith, uma jovem sem posição social que Emma procurará moldar à sua imagem e para a qual tentará arranjar um par digno. 

O que Emma não sabe é que isto de fazer dos outros marionetas, de tentar mexer nas vidas alheias até elas se tornarem naquilo que nós desejamos pode ter um lado mais obscuro e perigoso. A protagonista depara-se, em determinado momento, com essa mesma realidade: a manipulação da vida de outro acaba por interferir na dela e, porque é uma moça bafejada pela sorte, acaba por sair-se bem da enorme asneirada que criou. Mas podia ter corrido mal.

Aquilo de que gostei mais neste romance, tendo em conta aquilo de que me lembro de Orgulho e Preconceito, foi do facto de ser uma comédia de costumes na qual certos traços das personagens surgem acentuados. A Mrs. Elton é tão irritante, mas tão irritante que chega a ter graça. O próprio modo como são combinados os encontros, os bailes, como para tudo existe um protocolo imenso é digno de um sorriso por parte do leitor. A espontaneidade parece ser coisa de hoje. Naquele tempo, e pelo que o livro retrata, tudo era fruto de grande reflexão, desde o que se ia vestir até um simples convívio para o chá. Noto ainda os apontamentos de humor que o narrador vai largando ao longo do texto e que, em conjunto com o resto, servem para construir uma história bem disposta com uma protagonista mimada que tem a mania de que é esperta, mas que não é, ainda assim, a personagem mais irritante do romance.

Quando sair uma nova edição deste livro, aconselho-vos a lê-lo. É uma óptima leitura para o Verão porque o estilo da autora não é, de todo, cansativo ou pesado. Pelo contrário: a narrativa é clara, o narrador fornece-nos todas as informações de que precisamos para inferir o que virá de seguida e acabamos por ir percebendo tudo o que se passa, ao contrário da espertalhona da Emma que de tão sabichona que parece ser, acaba por não enxergar nada do que acontece à sua volta. Por tudo isso (e porque, afinal, falamos de Jane Austen) é um romance que merece se lido. Balanço positivo, portanto.

3 comentários:

  1. Passam-se umas belas horas na companhia deste livro. Vale a pena. :)

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  2. Gosto muito deste livro, Tenho a edição inglesa, que por sinal tem uma bela capa.

    Entre este e Orgulho e preconceito não sei qual me agrada mais, mas acho que talvez este.

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  3. Acho que também gostei mais deste, embora o outro merecesse uma segunda leitura, agora com a parvoíce dos vinte anos e a febre da amigdalite de parte. Este, enquanto algo parecido com uma comédia de costumes, pareceu-me mais divertido.

    A capa da minha edição portuguesa é o horror dos horrores. Os ingleses fazem quase sempre capas deliciosas.

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