domingo, 24 de março de 2013

Gabriela, Cravo e Canela: o balanço

Acabei há pouco de ler Gabriela, Cravo e Canela e ADOREI! Já não é de modo algum o primeiro livro que leio de Jorge Amado, creio que terá sido o quinto ou o sexto, mas foi um dos que de mais gostei. Aliás, continuo a afirmar o que há muitos meses disse neste mesmo blogue: a literatura brasileira é riquíssima e conta com verdadeiros génios, entre os quais incluo o inigualável Jorge Amado.
 
De tudo o que já li deste autor, Gabriela terá sido o livro que li com mais rapidez, sem o deixar pousado durante muito tempo. A história dos amores entre o árabe Nacid e a mulata Gabriela, mas principalmente toda a vida da cidade são elementos tão cativantes que transformam uma história numa companhia da qual não nos desligamos. É este romance, simultaneamente, uma ode à mulher e o relato cru de uma sociedade patriarcal na qual a mulher, ou melhor, a esposa era bibelô posto em sossego para que parisse e cuidasse da casa. Na rua existiriam as outras, as raparigas troféu de casa montada, reservadas para as vontades de homens endinheirados, totalmente votadas ao ostracismo e à solidão, ou, ainda, as mulheres-damas, pagas para satisfazer os desejos a que as esposas não podiam atender.
 
Ilhéus era cidade em desenvolvimento, onde já não imperava a lei do cangaço e dos jagunços, mas onde certas mentalidades permaneciam agarradas a hábitos enraizados que ditavam os nomes de família como leis inultrapassáveis. Mundinho e os que o apoiam, Malvina e a própria protagonista são, pois, boa parte do vento de mudança que do início ao fim do texto se movem no sentido de fazer valer a liberdade e a alteração das mentalidades: Mundinho Falcão pelo lado da política e do desenvolvimento, Malvina e Gabriela pela liberdade das mulheres e contra a sociedade que as empurrava inevitavelmente para os braços dos homens, cortando toda as outras possibilidades de vida que não passassem pela aliança no dedo e pelo baixar a cabeça em sinal de obediência.
 
O modo como o autor retratou a mulata que dá nome à obra transforma-a numa personagem como nunca tínhamos visto. Numa leitura mais rápida, Gabriela pode passar por mulher «oferecida» e com falta de dois ou três parafusos. Porém, o que me parece que Jorge Amado quis que Gabriela fosse é um espírito livre, um ser de vontade indomável, uma criança que, tendo de crescer prematuramente, nunca deixou de o ser e não compreende as exigências que aquela sociedade lhe faz e que envolve tantos grilhões (como seja a aliança no dedo ou o uso de sapatos em pés que se queriam descalços). Gabriela é, como disse João Fulgêncio, flor que, quando posta em jarra, murcha. Não encaixa nas regras de uma sociedade pensada e feita para homens. Gabriela é muito mais do que isso: é o cheiro de cravo e de canela que fica no ar por onde passa e que a todos endoidece. É flor rubra e perfumada sobre a orelha. Gabriela é dança, pele, alegria, prazer pelo prazer, é vida. É mulher que não se prende, mas que prende: até pelas páginas de um livro.
 

4 comentários: