domingo, 5 de novembro de 2017

Sem fôlego

Acabei agora de ler a primeira peça de Tennessee Williams da minha vida. É também a primeira das quatro que compõem o livro que estou a ler no momento. O título é conhecido: Gata em Telhado de Zinco Quente e trata do drama de uma família sulista a braços com diferentes tipos de mortes em vida: o jovem a quem é indiferente estar vivo ou morto porque sente que falhou a vida e perdeu o que lhe importava realmente; o homem maduro que quer viver, mas que tem uma morte anunciada à sua espera; o casal cuja moral, cujos valores sucumbiram perante a ganância e a vontade de vencer passando por cima de outros... Enfim, uma série de desencontros sem solução possível porque, ao que parece, pode ter-se tudo menos aquilo que se deseja verdadeiramente. 

Já não lia um texto tão bom há muito tempo e este é daqueles que nos tiram o fôlego. Parece que fiquei com a cabeça cheia de ideias e com a sensação de que Tennessee Williams conseguiu tocar em pontos da experiência humana que poucos escritores alcançam realmente. Sinto que o dramaturgo conseguiu encaixar na única divisão da casa que serve de cenário à peça todos os conflitos que sempre separam as famílias, expondo tanto a mesquinhez quanto a busca de uma morte física que dê, ironicamente, alguma lógica ao definhar que já se experimenta em vida. É absolutamente brilhante e avassalador. E nem mencionei ainda a própria “gata”, Margaret, talvez a única personagem que consegue ir mantendo o equilíbrio sobre este tornado devastador que expõe a fragilidade das relações humanas baseadas em mentiras e em ambições mal disfarçadas. Como uma gata em telhado de zinco quente, Margaret agarra-se ao que tem com toda a força, mesmo que não tenha quase nada, e aprende a viver com esse pouco que é o seu casamento com um homem que não a ama e que, provavelmente, nunca poderia amá-la porque aquele que lhe mereceu o mais puro amor, o seu melhor amigo, morreu depois de o trair com Margaret e deixou-se morrer por isso mesmo. 

Se não leram esta peça, façam-no. É demasiado boa para ficarmos sem a conhecer e garanto-vos que não deixa o leitor indiferente. É como assistir à iminência de um desastre sem que nos seja possível desviar o olhar. É sobretudo sentir que o que ali está é tão possível na nossa vida de todos os dias quanto num palco ou num livro. E isso é, no mínimo, desconcertante. 

6 comentários:

  1. Não li mas tenho que ler, gosto de ficar sem fôlego ao ler pérolas.
    É por isto que lemos :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É mesmo. Mas por vezes vamos lendo tantos livros medianos que o encontro com estas pérolas provoca espanto e um sobressalto muito agradáveis. Ainda me faltam as restantes peças do livro, mas senti que esta primeira pedia uma pausa para processar tudo o que nela se lê e o que não estando lá se imagina. Divinal mesmo.

      Eliminar
  2. Uau! Há anos que namoro várias peças do autor pelos sites de livros fora; nunca aconteceu, terá de acontecer. Também quero ficar sem fôlego!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Investe que vale a pena. Uma peça muito humana sem dúvida. E o prefácio do autor é, ele próprio, divinal. Explica muitíssimo bem o que pretente transmitir enquanto dramaturgo. Boas leituras!

      Eliminar
  3. Receitas para dias muito bons, bons, menos bons, ocupados ou não ocupados:

    https://www.boredpanda.com/adorable-bats/

    https://www.boredpanda.com/wild-european-hamsters/

    :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ai que problema: agora quero ter morcegos e hamsteres. Juntamente com os felinos não sei que coisa sairia.

      Mas fora de brincadeiras, a natureza e os seus animais são coisas extraordinárias. Obrigada pelas imagens. Melhoraram o meu dia. :) Beijinhos.

      Eliminar