No colégio onde trabalhei alguns anos, havia um fundamentalismo da linguagem institucional que fazia com que a gramática levasse diariamente uns valentes beliscões. Se, por exemplo, quiséssemos dizer que os nossos alunos eram muito bons, tínhamos de dizer «os nossos alunos e as nossas alunas eram muito bons e muito boas»; se quiséssemos agradecer a participação de todos os encarregados de educação numa determinada tarefa, tínhamos de dizer «a participação de todas e de todos os encarregados de educação»; se quiséssemos dirigir-nos aos nossos alunos num qualquer discurso, era obrigatório dizer «caras alunas e caros alunos», como se o masculino não abrangesse toda a gente, segundo a gramática. Mas o pior, meus caros, é que não seguir estas regras idiotas e pseudo-igualitárias dava direito a raspanete grande (e público, muitas vezes). Ora, para mim, que era docente de Português, a coisa ainda doía mais porque sabia muitíssimo bem que este exagero linguístico que só visa o politicamente correcto ia bastante contra aquilo que sempre aprendi sobre a nossa língua. Certos textos que nos chegavam às mãos vindos «de cima» eram hilariantes e quixotescos, pois diriam coisas como, imaginem, «caras e caros docentes, hoje é um dia importante para todas e todos os nossos alunos e alunas e para aqueles e aquelas que contribuem para a sua educação». Palavra que me doía na alma, mas nem valia a pena tentar mudar esta maneira quadrada de pensar. Simplesmente, o que fazia era esquivar-me a escrever o que quer que fosse ou fazê-lo de forma a nunca precisar de utilizar palavras que me obrigassem a utilizar os dois géneros separadamente. Era de doidos, acreditem. Porém, infelizmente, há por aí muitas almas que cuidam ser mais inteligentes que os restantes mortais e que crêem que assim é que se fala bem porque deste modo nunca ninguém fica de fora, todos são devidamente abrangidos e sempre com igualdade. Para mim é apenas pedantismo, estupidez e desconhecimento das regras gramaticais. Imaginem agora, só por este pequeno exemplo, o inferno em que vivi. Mas adiante.
Lembrei-me disto porque o conhecido blogue «Horas Extraordinárias» referiu este mesmo problema que, ao que parece, não é exclusivamente português. Aparentemente, nuestros hermanos debatem-se com o mesmo rigor exagerado na escolha de palavras. Podem ler o texto aqui e, sempre que possam, corrijam estas aberrações. Eu fiz o que pude, mas quando se lida com pilaretes em vez de seres humanos com cérebro, não se verificam quaisquer efeitos.
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