Leão o Africano é uma autobiografia ficcional escrita pelo libanês Amin Maalouf. O protagonista existiu de facto e teve uma vida fascinante, tendo publicado em 1555 uma longa descrição de África que, durante muito tempo, foi importante para o conhecimento do continente, especialmente antes das grandes expedições que aconteceram séculos mais tarde. A sua Descrição de África só pôde ser escrita porque este homem viajou muito, conheceu muitíssimas cidades, atravessou desertos, viu o melhor e o pior de cada lugar, estabeleceu relações comerciais, observou credos, batalhas, enfim, tudo o que havia para ver no riquíssimo século XVI.
Na realidade, o protagonista e narrador deste livro nasce em Granada, pouco tempo antes da conquista da cidade pelos Reis Católicos. Assiste à expulsão dos judeus e, algum tempo depois, também a sua família se vê impelida a fugir. Hassan, o primeiro nome que este homem terá na sua vida, pertence a uma família muçulmana que vivia uma existência confortável em Granada e que vê tudo desmoronar-se à sua volta antes de, finalmente, tomar a decisão de partir.
Esta é apenas a primeira das muitas viagens que fará ao longo dos quarenta anos de vida que vão do seu nascimento até ao final do livro. A família procura reiniciar a sua vida no norte de África, em Fez, mas a curiosidade de Hassan leva-o a querer participar de uma embaixada que o seu tio fará a Tombuctu a mando do novo sultão de Fez para entregar uma mensagem de amizade ao novo sultão do Sudão. A viagem será uma aventura que mudará a sua vida e que marcará definitivamente a sua entrada na idade adulta. Depois disto, começará também uma actividade comercial que parece votada ao sucesso, mesmo num mundo onde os saques das caravanas eram uma constante. Hassan parece ter ou um talento inato para o comércio ou uma enorme sorte de principiante. Mas a vida trocar-lhe-ia muitas vezes as voltas e, como disse, os seus primeiros quarenta anos de vida exigirão mais de si do que as viagens com fins comerciais. Também ele terá um papel diplomático que o fará viajar, mas além disso, ver-se-á envolvido em confusões várias que o levarão a ser banido da sua cidade. Nova viagem se inicia e, após uma peregrinação a Meca, vê-se sequestrado e levado para a Europa, para Roma, onde será entregue ao Papa Leão X. Diz, nesse momento o narrador, que «Teria eu podido adivinhar que era a mais extraordinária das minhas viagens que assim começava?».
A verdade é que que a este rapto se sucede uma série de peripécias que passam pelo seu baptismo cristão, desejado pelo seu protector em Roma, nada mais nada menos do que o próprio Papa. Ganhará o seu nome, Leão, e o apelido da família a que pertence o Sumo Pontífice: Médicis. Porém, pelo seu passado por terras africanas, mesmo tendo nascido em Granada, será para sempre conhecido como Leão o Africano e será com esse mesmo nome que assinará a sua obra Descrição de África. Aí, entre outras aventuras e viagens (Nápoles, Bolonha, Florença...), assistirá ao Renascimento italiano e às desavenças entre Roma e o imperador Carlos V, que culminarão no saque da cidade. Leão o Africano regressará, assim, ao norte de África e é ali, falando ao seu filho, que termina a narrativa desta vida tão cheia de deambulações e de aventuras em que as fronteiras parecem diluir-se, bem como os credos, que têm muitas vezes de ajustar-se aos infortúnios do destino. Leão, nascido Hassan, vê-se baptizado e protegido pelo chefe da Igreja Católica. Não combate o que o destino lhe traz: deixa-se ir, sabendo que a sua fé e o seu amor ao Islão estão dentro de si e continuarão a acompanhá-lo para sempre.
Muitas vezes dei por mim a pensar, enquanto lia, que é possível encontrar pontos de comparação entre o que é narrado e aquilo que vivemos hoje supostamente por causa das religiões. Mas isso deixo para vocês pensarem também quando lerem o livro. O que me fica mesmo é a experiência de uma leitura que se torna viciante, pois percebemos desde o início pelas palavras de Hassan que nada será fácil, garantido ou eterno na sua existência. Sabemos desde a primeira linha que vamos assistir a viagens por um mundo tão diferente do que conhecemos e que religião e política estarão sempre presentes para movimentar as suas peças e fazer mexer as personagens. Mais: a época de que se fala e os lugares representados são também muitíssimo interessantes. Todos sabemos mais ou menos alguma coisa sobre a conquista de Granada. Mas ler a descrição feita do que se sentiu e viveu por aqueles dias é completamente diferente. Para quem assistiu à série espanhola Isabel, sobre a Rainha Católica, é uma nova forma de ver o passado: na série vimo-lo pelos olhos dos vencedores e aqui lemos a versão dos vencidos, dos expulsos, dos que se tornam «estrangeiros» em todo o lado. Depois, a passagem por Roma e Florença e a presença nesta cidade de artistas protegidos por mecenas, a referência à cultura que era tão valorizada pela família Médicis e pelo Papa Leão X leva-nos directamente ao Renascimento nos locais onde atingiu todo o seu esplendor, legando-nos obras que ainda hoje têm o dom de deslumbrar até os mais empedernidos dos olhos.
Assim, neste livro, o protagonista viaja e nós, leitores, vamos com ele, mas vamos ainda mais longe, pois viajamos com Hassan pelo espaço e pelo tempo, para séculos longínquos dos quais sabemos menos do que gostaríamos. Até custa imaginar que fosse possível viver tanta instabilidade e tanta violência, tantos saques, tantas lutas, tanta sede de poder. Mas depois lembramo-nos do século XX e mesmo deste em que vivemos e pensamos que não estamos assim tão longe do passado. É curioso que os livros também nos consigam ensinar isto.
Título: Leão o Africano
Autor: Amin Maalouf
Tradutora: Maria da Graça Morais Sarmento
Editora: Quetzal
Edição: Janeiro de 2010
414 páginas
Gostei muito da tua opinião :)
ResponderEliminarTenho esse livro desde que foi publicado, bem como "As cruzadas vistas pelos Árabes". Ambos ainda está por ler. Tantos que compro para os deixar em repouso numa estante durante anos.
É a ideia de: tenho que comprar, quem sabe se não esgotarão e depois arrependo-me.
Por vezes a falta de tempo e o número de livros por ler angustiam.
Na mesma altura comprei "Bomarzo", fui aos jardins e fiquei arrebatada. Não podia deixar escapar o livro. Permanece quietinho numa estante.
(Escrevi-te uma bonita resposta, mas o *@#$%& do iPad não a publicou e desapareceu. Bem, vou ver se me recordo de tudo o que disse.)
EliminarObrigada! :)
Como compreendo o que dizes! Também vou comprando, comprando e os livros vão-se acumulando. Às vezes é mesmo angustiante e penso se vou ter tempo de vida para ler tudo o que tenho e que quero. Mais vale nem pensar nisso. Costumo dizer que vou comprando enquanto posso. Desculpas... Mas deixa-me dizer-te que neste caso fizeste bem: “Leão o Africano” está esgotado na editora. O exemplar que li é da minha irmã, que tem o Maalouf como um dos seus autores favoritos. Também me emprestou um do Naguib Mahfouz, de que gosta bastante, mas não me recordo do título.
Também tenho o “Bomarzo” ali à espera. Não descansei enquanto não o apanhei em promoção e o desgraçado ali está à espera. Li as primeiras páginas na altura da compra e pareceu-me bastante promissor.
Agora estou naquela fase entre livros. Terminei o do Maalouf de manhã, escrevi a quixotada depois do almoço e o resto do dia foi dedicado a avançar um pouco na eterna biografia de Einstein (que nunca mais termino porque entretanto começo a ler outros livros e este fica só para os intervalos). Agora tenho de escolher outro livro e não sei para onde me vire. Lá vem a angústia da escolha. Mas fossem assim deliciosas todas as angústias da vida. :)
(Pronto, acho que disse tudo o que estava na quixotada original. Rai’s partam os tablets!)
No último parágrafo, onde se lê “quixotada”, leia-se “comentário”. Jumenta.
EliminarEsqueci-me de dizer que do Maalouf já li também “O Périplo de Baldassare”, que consiste numa longa viagem feito pela personagem que empresta o seu nome ao título. Foi-me oferecido pela minha irmã e lembro-me de estar na Areia Branca, na praia, a devorar o livro. Ainda hoje tenho muito do que o compõe na memória, de tal modo é fabuloso. Não sei se já foi reeditado, pois a editora que publicava o Maalouf (a mesma que publicava o “Adrian Mole”) fechou. Não sei se a Quetzal editou todos os seus títulos. Mas é um romance fabuloso, descreve uma viagem absolutamente fenomenal e tem por trás uma história muitíssimo bem construída. A minha irmã, veneradora de Maalouf, também aconselha o “Samarcanda”, que também tem uma viagem no centro da acção. Ofereceu-mo, mas ainda não o li. Parece-me que depois do sucesso de “O Périplo de Baldassare” e de “Leão o Africano”, o “Samarcanda” não tardará muito a ser lido.
EliminarJá adicionei à lista esses que referes de Maalouf .
EliminarGosto bastante de Mahfouz. A chamada Trilogia do Cairo é muito boa e interessante. Gostei muito d'"Os filhos do nosso bairro", entre outros.
Comprei todos os que a Civilização editou, podiam agora reeditar os que estão esgotados há tempos (de diferentes editoras).
Agrada-me também que as traduções sejam feitas directamente da língua de partida.
Ainda não li o do Mahfouz que a minha irmã me emprestou, mas fui espreitar o título e chama-se "Entre os Dois Palácios". Se gostar muito, pelo menos sei que ela tem mais alguns porque fui eu que lhos ofereci. Eheh.
EliminarEste ano os livros da Civilização, na Feira, estavam na tenda grande onde havia restos de várias editoras. Trouxe de lá a biografia de Sofia Tolstoi, de Alexandra Popoff. Foste tu que me falaste dela, não foste? Espero que fosse esta porque se não for, olha, enganei-me. 😝
"Entre os Dois Palácios" é o primeiro volume da trilogia. Espero que gostes.
EliminarSim, falei-te nessa biografia.
É esta, não é?
https://www.wook.pt/livro/sofia-tolstoi-alexandra-popoff/11195090
Sim, esse mesmo. Estava para lá na tal tenda das editoras perdidas. :)
EliminarTambém tinha a ideia de ser o primeiro da trilogia, nas não tinha a certeza. Quando o ler, digo aqui o que achei.
Adoro poder viajar nos livros e com os livros.
ResponderEliminarAdoro poder viajar nos e com os livros. :)
ResponderEliminarEntão este é ideal para isso. E é tremendamente viciante! Pena estar esgotado na editora. :(
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