terça-feira, 27 de junho de 2017

Alergias

Quando vou a uma livraria, padeço de alergias. «Ah e tal, coitada: é do papel!», dirão vocês. É mais outro tipo de alergia e não vai lá com anti-histamínicos, nem daqueles que arrumam connosco e nos põem a dormir duas noites seguidas (ai o que eu gostava!). Pois hoje eu, mulher de listas, decidi-me a elencar tudo o que me causa alergias numa livraria. Note-se que os sintomas são vários: vão desde a comichão na pele, à irritação nos olhos, à irritação nervosa, às bufadelas de impaciência, ao revirar de olhos constante, aos ímpetos de vómito, à vontade de fazer um auto-de-fé a la Senhor Cura e Senhor Barbeiro (é ler o Quixote, meus senhores, é ler o Quixote), entre outros. 

Os agentes alergénios que repousam na minha lista são, então, os que se seguem:

- Pó (nada que um pano húmido não resolva);
- Desarrumação (com tempo e boa vontade a coisa faz-se);
- Preços muito altos (esta dói muito...);
- Livros em mau estado (era pendurar pelos cabelos o pessoal que folheia os livros com o mesmo jeito com que a professora da Primária do meu pai lhe puxava as orelhas!);
- Auto-ajuda (começa o prurido);
- Espiritualidades (piora-se-me o prurido);
- Romances cor-de-rosa (chegando a tosse alérgica);
- Qualquer coisa que se enquadre na categoria de «literatura light» (tosse, tosse, tosse, tosse);
- Best-sellers (e inicia-se o revirar de olhos em loop);
- «Literatura no feminino», seja lá o que isso for (primeira ânsia de vómito);
- Romances históricos daqueles em que mulheres do Renascimento e que, portanto, VIVEM no Renascimento remexem em baús... com naftalina... (bufadela mais espampanante do que a de um gato cuja cauda é pisada);
- Romances com códigos e coisas ocultas que pretendem revelar estrondosamente a história oculta e polémica de qualquer coisa (muitíssimas vezes sobre o Vaticano), mas que quando a coisa corre mal se escudam na lógica do «Então, então: é só ficção!» (inicia-se a toma de anti-histamínicos e, por via dos nervos, de Victan);
- Biografias e autobiografias de pessoas que se acham muito importantes e que antes dos quarenta anos consideram que o mundo já merece ler a história das suas origens humildes (hiperventilando muito, sentindo vergonha alheia e vontade de vomitar, tudo ao mesmo tempo);
- Livros escritos por famosos porque foram convidados para isso pelas editoras (vá-se lá entender...), mas que depois precisam de muuuuuuuuita ajuda para a redacção dos ditos porque sozinhos não vão lá. Já para não falar no conteúdo fraquinho, fraquinho... (estou um farrapo de tanta indisposição: CREDO!);
- Romances fechados em sacos de tule (ele é náuseas, ele é comichões, ele é revirar de olhos, ele é a vontade de fugir para longe, é de um tudo!);
...

Tive de parar a lista por aqui porque já não estava em condições para continuar, como puderam notar. Mas deixo-a em aberto para o caso de quererem continuá-la. Vou só ali respirar fundo e cair para o lado de tanta que é a alergia a certos livros.

9 comentários:

  1. *Montras que destacam livros light, literatura no feminino, auto-ajuda, espiritualidade e muitos outros do mesmo género;
    *Livreiros (?) que nada sabem do seu trabalho.

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    1. Na onda do teu primeiro ponto: livrarias que devolvem tudo o que seja clássico ou livro com qualidade, mas que vende pouco e que ficam com um stock composto apenas por best sellers e afins. Queres comprar uma edição de Júlio Dinis (a título de exemplo) e não encontras. Há uns anos passava-se isso com o Aquilino Ribeiro. Agora como a Bertrand pegou na obra dele, já é mais fácil chegar-lhe. Mas enfim, como este há muitos, muitos exemplos de livros que têm um curtíssimo tempo de vida nas livrarias (ou que nem sequer lá entram), comparativamente com outros que passam a vida nas montras e nas estantes, mesmo sendo perfeitos lixos com páginas.

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  2. Hahaha, compreendo tantos desses! Os livros em sacos de gaze/tule são o meu exemplo máximo de coisas que me dão a volta ao estômago em livrarias.

    A minha mãe lê-os... a volta ao estômago chega a casa.

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    1. Ai o tule... Qual é a ideia? Impedir o livro de se constipar? Cá para mim é impedir o contágio a outros livros. Se for assim até é bom que eles venham em sacos. Até deviam ser herméticos para não deixar passar a má qualidade para os livros vizinhos.

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    2. Espero que os livros da minha mãe não contagiem os meus que não estão longe...

      Ou então é para identificar, assim uma pessoa sabe exactamente que aqueles livros, aqueles com roupa, são para... um nicho especial de leitores! Tipo a minha mãe!

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    3. Ah sim, lá isso é verdade: um livro ensacado em tule distingue-se muito bem dos outros. Eu arrepio logo caminho! E há uns anos uns livros policiais que saíram que vinham com a oferta de uma saqueta de chá? Palavra de honra que às vezes o Marketing do Livro me ultrapassa. Tinha sido bom ter tido essa cadeira no curso de Edição de Texto, mas lá acharam que não era necessário.

      Agora imagina o que podia vir de oferta com aquelas coisas das 50 Sombras. MEDO!!! Aqueles é que deviam mesmo vir num saco bem opaco e de preferência corrosivo para o próprio livro.

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    4. Confesso que estive muito muito tempo longe do mundo editorial português (leio maioritariamente em inglês) e não vi nada disso... aterrador. Só sei dos saquitos porque pronto, família e tal, e é tão visível! Ainda hoje fui ao continente comprar um pack de canetas e passei pela "feira do livro" do continente - festa de tule colorido!

      Saco opaco, com bolinha vermelha, e uma espécie de anthrax livresco. Concordo.

      (Curso de edição de texto deve ter sido bem giro!)

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    5. Infelizmente, o curso na Nova foi uma porcaria. Queria ter feito a pós-graduação na Católica há uns anos, mas calhou no ano em que saí de casa dos meus pais e o dinheiro foi canalizado para outro sítio. Claro que aprendi algumas coisas, mas esperava uma coisa diferente.

      Sobre a Feira do Continente: há uns anos apanhei essa feira e tinham coisas bem jeitosas. Mas acho que foi “filho único” porque do que tenho visto a partir daí é tudo muito mau. Quando apanhas uma coisa mais jeitosa, o desconto é pequeníssimo. Não sei qual é o pensamento. Deve ser “Ah e tal, como as pessoas vão de férias e o cérebro vai também, vamos vender ao preço da uva mijona livros que não valem um caracol."

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    6. Desilusão com um curso da Nova é possivelmente o conceito em que mais me revejo no mundo - compreendo, embora o curso tenha sido outro.

      Sim, os descontos costumam ser sempre em coisas que ninguém no seu juízo perfeito deveria querer. No entanto, vendem...

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