segunda-feira, 31 de maio de 2021

A Champions e as quadras dos manjericos

Como professora, uma das coisas mais difíceis de gerir foram as exceções. Se durante uma aula o Joãozinho pedia para ir à casa de banho porque estava aflitinho e lho permitia, como poderia depois dizer que não aos quinze alunos seguintes que iam fazer o mesmo pedido? Não podia. Se permitia à Aninhas que entregasse o trabalho no dia seguinte porque o havia deixado em casa, como poderia na semana seguinte não abrir igual exceção a todos os alunos que se esquecessem do trabalho na data em que era suposto que o entregassem?

Foi disto que me lembrei quando vi o disparate que se passou no Porto por causa da final da Champions. Todos, à exceção do Secretário de Estado, vimos o que aconteceu e dificilmente consideraremos tal espetáculo um sucesso (os parâmetros do senhor devem ser diferentes, sabe-se lá). Ao ver tanta gente sem máscara, sem cumprir a distância de segurança e a consumir álcool na via pública (coisa que ainda é proibida, note-se), só conseguia pensar que dentro de poucos dias Portugal celebrará os Santos Populares e que dificilmente as pessoas conseguirão perceber que para elas não vai nada nada nada, mas que para os britânicos foi tudo.

Como é que se explica a um país que está com a vida parada desde março do ano passado que arraiais não, mas ingleses ao monte a fazerem da zona ribeirinha do Porto o que bem lhes apetecia sim senhor, venham eles? Que moral, que argumentos se podem apresentar? Já alguém disse na televisão que por uns fazerem não quer dizer que os outros também devam fazer. Claro, também usamos esse argumento com as crianças na escola. Lá porque o Zezinho foi à casa de banho duas vezes durante a aula por se estar a sentir mal, não quer dizer que agora toda a turma vá à casa de banho duas vezes em noventa minutos. Mas não nos livramos do «porquê?» da praxe. E eles fazem bem em perguntar. Assim como nós fazemos bem em questionar quem decide sobre os motivos para uma final que não nos dizia nada ser realizada em Portugal em plena pandemia, sabendo que muito provavelmente viria muita gente sem bilhete para viver a euforia de uma final pelas ruas e esplanadas da cidade. Ainda que a dimensão do disparate não fosse previsível, com certeza passou pela cabeça de alguém que alguma coisa poderia correr mal. É que se não passou, se efetivamente acreditavam que só viriam adeptos com bilhete nominal e mesmo em cima da hora do jogo, então fico mesmo preocupada com a ingenuidade desta gente que toma decisões.

E agora, como afinal até estamos em pandemia, Santos Populares não. Nem Marchas em Lisboa, nem Casamentos de Santo António, nem fogos de artifício no Porto. Para os portugueses que têm vivido tempos terríveis, nada.

Note-se que eu já esperava que este ano ainda não fosse o do regresso dos arraiais. Nunca acreditei que, apesar da descida do número de casos de infeção por Covid-19, e do desconfinamento, se permitissem eventos que normalmente agrupam milhares de pessoas por esses becos e ruelas de Lisboa (e um pouco por todo o país). O problema com tudo o que aconteceu é que agora é mais difícil aceitar a decisão e é, sobretudo, mais revoltante. Se não tivesse sido dada aos adeptos ingleses a oportunidade de realizarem a miséria de espetáculo que apresentaram em Portugal, talvez fosse só triste passar mais um ano sem estas festas. Mas se a exceção se abriu e se isto se permitiu, porque é que não podemos ter as nossas festas? Esta será a pergunta de muita gente.

Ah, mas a Champions foi ótima para o turismo. Os hotéis tiveram excelentes taxas de ocupação, o que é fantástico depois destes muitos e longos meses sem turistas. Então e quem ganha os seus tostões com os Santos Populares não merece também ganhar a vida? Aparentemente há dois pesos e duas medidas e é isso que nem os alunos nem ninguém entende bem. Houve a festa do campeonato português e, claro, torceu-se o nariz. Esperou-se que esta final que alguém achou ser ótimo realizar em Portugal corresse de outra maneira até porque normalmente se aprende com os erros. Hum... Não. Por cá temos problemas de aprendizagem e repetimos a mesma asneira com poucas semanas de intervalo. Com jeito até a ampliamos.

Percebo que a final da Champions tenha trazido dinheiro à cidade do Porto. Esse dinheiro fazia muita falta a quem teve os negócios parados. Percebi a euforia dos adeptos do Sporting no final do campeonato, ainda que tenha detestado ver as imagens de pessoas que, sem máscara e ao monte, pareciam não viver no mesmo país onde até há poucos meses contámos em dias sucessivos centenas de mortes causadas pela Covid-19. Também percebo a tristeza dos que esperavam fazer dinheiro com os Santos Populares; percebo a sua indignação; mas também percebo a decisão de não fazer as festas. Porém, aquilo que percebo melhor, é que cada vez que se abrem exceções - seja para estrangeiros ou portugueses - abrem-se caminhos para que as pessoas, cansadas de todos os sacrifícios que têm feito, comecem também a relaxar e a fazer como as crianças: «se ele pode, eu também posso.» E depois? Multas? Quantos adeptos do Chelsea ou do City foram multados? 

Vamos ver o que nos espera, mas pelo sim pelo não compremos um manjerico e ponhamo-lo à janela. E se quisermos mesmo ter um gostinho dos Santos, podemos pôr-lhe uma quadrinha ao lado. Deixo-vos umas propostas:


Meu querido Santo António português,

Meu querido Santo dos enamorados,

Arranja-me uma casinha maior do que um T3

que pelos vistos voltaremos a estar confinados.


Ainda não vi mana e sobrinhos em 2021,

vi o meu pai duas vezes e mal.

Mas parece que não há problema nenhum

desde que a Champions faça cá a final.


E agora o pessoal queria festa e sardinhada,

queria música, arquinhos e balões:

só que parece não vai levar nada

quem levou tudo foram os bretões.


O manjerico basta regar e pôr ao luar

e desde sempre é o povo que o diz.

Mas este ano não vai dar para o cheirar:

ai de vocês que a máscara saia do nariz!


A ver se amanhã vou comprar um vasinho

para celebrar as festas populares de Lisboa

e se ao manjerico não sentir o cheirinho

juro que ofereço a penca à zaragatoa.


Pronto, este foi o contributo do blogue As Minhas Quixotadas para as vossas festas. Espero que gostem.



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