quarta-feira, 27 de março de 2019

Eu sou velha o suficiente para... VI

Eu sou velha o suficiente para me lembrar dos tempos em que ninguém telefonava depois de uma certa hora, que, em algumas casas, poderiam ser as dez da noite, mas noutras seria ainda mais cedo. Era quase como se o telefone fechasse, como fecham as lojas e os serviços. Respeitava-se o direito ao descanso. Tinha-se um grande receio de acordar os outros, de lhes perturbar o sossego nocturno. E se por algum motivo o telefone tocava depois dessa hora, todos saltavam de medo: era quase certo que viriam de lá más notícias.

Agora estamos sempre contactáveis. O telefone fixo ou não existe ou nem se usa, mas os telemóveis dormem na nossa mesa de cabeceira, recebendo notificações várias, mensagens e todo o tipo de contactos possíveis e imaginários. Hoje já é quase banal receber mensagens depois da meia-noite ou telefonemas quando julgamos que todo o mundo dorme. Nunca desligamos completamente precisamente porque também não desligamos os telemóveis. Não raramente, acordamos com um e-mail que chega, com a vibração causada por uma conversa entre um grupo de WhatsApp.

Eu ainda sou um bocadinho como eram os meus pais. A partir das dez horas da noite não telefono a ninguém. Evito enviar SMS's e, na loucura, envio um e-mail. Mas nem toda a gente é assim e há uns dias fui acordada com uma mensagem no WhatsApp que podia perfeitamente ter sido enviada no dia seguinte porque não dizia nada de extrema importância. Fiquei louca, possessa mesmo, uma vez que depois me vi em grandes apuros para conseguir voltar a adormecer.

Comentei isto com uma amiga que me disse «Desliga o Wi-Fi à noite.» Senti-me tão jumenta. Era óbvio e eu nunca tinha pensado nisso: desligar a porcaria da internet durante a noite. Não há cá e-mails nem Messenger, nem WhatsApp. Tudo o que me for enviado é recebido no dia seguinte, ao ligar outra vez o Wi-Fi. Claro que me sobra a possibilidade de receber chamadas e SMS's, mas, por razões óbvias, não posso abdicar dessa possibilidade de ser contactada. Afinal, no meio de tanto disparate, ainda acontecem emergências e podemos sempre precisar de ser contactados. Todavia, por agora, tudo o que seja enviado pela internet só chegará de manhã. Não há fotografia ou disparate que seja mais importante que as horas de sono. Já lá vai o tempo em que os e-mails do colégio chegavam a qualquer hora com a exigência de resposta rápida. E pensar que nessa altura teria sido tão bom desligar o Wi-Fi e nem sequer me ocorreu. É já tão banal estarmos conectados ao mundo através da internet que nem percebemos que podemos desligar-nos e recuperar o sossego perdido. Como nos tempos em que os telefones só tocavam até uma certa hora e éramos todos tão felizes.

1 comentário:

  1. A wifi e a tecnologia toma conta da nova vida, de uma maneira que como tu as pessoas se esquecem que tem opções... Sofro do mesmo muitas vezes!

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