sábado, 25 de janeiro de 2014

Novos Programas

Pois parece que vêm aí novos programas para o Ensino Secundário na disciplina de Português. Confesso que tive meia paragem cardíaca quando ouvi dizer que queriam trocar o Memorial do Convento por O Ano da Morte de Ricardo Reis ou pela História do Cerco de Lisboa, também de José Saramago. A apoplexia que quase tive deveu-se ao facto de saber que os alunos do décimo segundo ano, passado o susto inicial, acabam por gostar da obra sobre a construção do convento e sobre um peculiar casal que consegue voar por força das vontades que recolhe. Não é que os outros dois romances de Saramago não sejam bons, nada disso. Mas parece-me que quando metade do programa do último ano do secundário é sobre Fernando Pessoa, incluir também um romance que remete para ele parece-me exagerado. Sempre que leccionei o décimo segundo ano, os alunos mostraram desagrado pelo facto de andarem a estudar Pessoa quase até Março. E, em meu entender, com razão. Fernando Pessoa é incontornável, mas há mais vida literária além dele.
 
Quanto à História do Cerco de Lisboa, que já li, parece-me um livro que coloca uma questão extraordinária: a do famoso «e se...?». No caso, o que aconteceria à nossa História se a uma determinada afirmação acrescentássemos um «não»? Todo o livro é fabuloso, mas, perdoem-me, não é o Memorial. Não tem uma série de elementos que existem no Memorial do Convento e que atraem os alunos para a leitura. É verdade que se se pode visitar o convento retratado na obra, também se podem visitar as zonas da cidade de Lisboa evocadas na História do Cerco de Lisboa. Porém, são romances muito diferentes que, quando lidos por gosto, são deliciosos. Porém, no que às leituras escolares diz respeito e considerando a maturidade dos alunos do décimo segundo ano, o Memorial do Convento leva vantagem pelas muitas temáticas abordadas, pelo elemento «sobrenatural» que nele aparece, pelo contraste entre um casal apaixonado e um casal real vergado pelo peso do protocolo.
 
Relativamente às outras mudanças previstas para o programa e apesar das muitas críticas negativas que tem recebido parece-me bem. É verdade que há pormenores que não conheço e também é verdade que a inclusão de muitos novos autores pode ser complicada na medida em que um ano lectivo (numa disciplina que trabalha leitura, escrita, oralidade e gramática) é muito curto. Contudo, penso que estas alterações (o regresso de Fernão Lopes, das cantigas de amigo, de Gil Vicente, de Camilo, entre outros) é o reparar de um erro realizado há vários anos quando se eliminou o Português A e o Português B, criando apenas a disciplina de Português e reduzindo consideravelmente o número de obras a estudar. Os alunos liam muita coisa desinteressante (até os regulamentos do «Big Brother» chegaram a aparecer em manuais da disciplina), estudavam muita gramática, escreviam actas, relatórios e contratos, mas não conheciam os nossos autores. Meia dúzia deles em três anos de ensino secundário e nem sequer por uma ordem que fizesse algum sentido. Parece-me que estes novos programas procurarão emendar esse erro que prejudicou os muitos alunos que os estudaram nos últimos anos. Na escola não cabe tudo, mas cabe-lhe apresentar aos seus estudantes os nossos maiores autores para que, no futuro, possam por si mesmos decidir se querem continuar a lê-los e a conhecer outros ou se, por outro lado, querem pousar os livros e dedicar-se a outras vidas. A disciplina de Português pode perfeitamente preparar os alunos para aspectos práticos como a realização de actas ou de relatórios sem que isso signifique descurar a leitura dos que melhor escreveram. Vejamos no que isto dá e se não vêm de lá surpresas que estraguem este regresso de muitos escritores nacionais ao programa de Português no ensino secundário.

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