quinta-feira, 26 de março de 2020

Para o que estávamos guardados III

Estou há dez dias em casa. Há dez dias que não vou à editora, que não me sento na minha cadeira e que não vejo os meus colegas, o que é uma treta. Há dez dias que não me maquilho, o que até sabe bem. A minha roupa de trabalho passa por calças confortáveis e sweatshirts, o que também é agradável. Boa parte do meu dia é passado na varanda (fechada, pois de outra forma hoje já teria morrido de frio), onde a luz é melhor para ler. De vez em quando vou ao escritório para usar o computador. Aí acabo por ter de lutar com patas peludas que teimam em passar sobre o teclado sempre que estou a fazer alguma coisa. Ou que passam e param teimosamente diante do ecrã, num claro exercício de narcisismo felino. Também tenho de me esquivar à monomania da Cão: a sua decrépita bola de ténis.

De vez em quando levanto-me a correr porque o apocalipse chegou na forma de um gato que atira coisas ao chão ou de uma gata que suja o hall com uma bola de pêlo. Ir buscar o balde e a esfregona é, posso dizer, o ponto alto do meu dia.

Os meus pés já não sabem o que são umas botas e temo que se recusem a voltar a entrar numas. Os chinelos com raposinhas são agora os seus melhores amigos e não sei como é que isto vai acabar. O meu cabelo, que está a ganhar proporções alarmantes, anda preso com um pauzinho. Julgo que, quando puder sair de casa, o primeiro sítio aonde irei será ao cabeleireiro. Até ia a correr, mas tenho medo de tropeçar no cabelo ou de torcer um pé com os chinelos das raposinhas.

Entretanto, no tempo que me sobra, várias questões assolam a minha desocupada cabeça. Uma delas é: será que as mulheres que estão em isolamento social em casa estão a usar sutiã? Bem sabemos que quando estamos por casa é artigo que dispensamos frequentemente. Mas se isto dura muito... Só nos faltava acabarmos este inferno todas descaídas! 

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