segunda-feira, 15 de abril de 2019

A Menina Sugere Isto XXXIX

Wook.pt - Sabrina

Sabrina é o título de uma novela gráfica que reflecte em boa medida os tempos loucos que vivemos. Nesta história de Nick Drnaso, uma rapariga desaparece e, ao contrário do que poderíamos esperar, o leitor não encontra a busca por essa personagem, mas sim as repercussões que o desaparecimento teve na vida de quem a rodeava, sobretudo a irmã, o namorado e um amigo dele. Não é que não importe saber o que aconteceu a Sabrina: interessa-nos e sabê-lo-emos a seu tempo, contudo, mais do que a história de quem desaparece, nesta novela gráfica destaca-se a história dos que ficam e que, além da dor, têm de lidar com os outros e com um mundo onde as teorias se espalham muito rapidamente, sem ter em conta sentimentos alheios ou o respeito pelo próximo.

Aquilo a que frequentemente assistimos na nossa vida quando abrimos o Facebook e encontramos as mais disparatadas teorias e opiniões sobre determinados acontecimentos (lembrar-me-ei sempre da opinião de uma senhora que considerava culpada a mãe do menino espanhol que caiu num buraco no início deste ano apenas porque... nunca a viu chorar) está neste livro. E o que é curioso é que, ao lê-lo, me senti minúscula: o que sou, o que somos estava ali. Uma personagem desaparece e o mundo dos que faziam parte da sua vida fica de pernas para o ar. Porém, esse medo e essa dor são completamente estraçalhados pela opinião pública e pelas muitas teorias da conspiração veiculadas através de redes sociais, da rádio e de outros meios de comunicação. Todos têm uma explicação para o que aconteceu a Sabrina, todos conseguem explicar o que lhe aconteceu REALMENTE, mesmo quando já existe uma resposta verdadeira e comprovada. Ainda assim, as pessoas continuam a sentir-se livres para emitirem opiniões cruéis, infundadas, acusatórias e profundamente dolorosas para os familiares da personagem desaparecida. Pouco importa o sofrimento deles, não interessa se vão magoá-los ainda mais. O que as pessoas querem é fazer-se ouvir, mostrar que pensaram sobre o assunto e que vêem mais longe do que os outros, dar a entender que não se deixam enganar por nada nem ninguém. 

Sabrina desaparece. E, de facto, após as primeiras páginas Sabrina desaparece mesmo do livro. Saberemos o que lhe aconteceu, mas não a voltaremos encontrar como nas primeiras vinhetas, sendo uma rapariga com uma vida normal e pessoas que a amam. Para o autor, mais importante do que a história de um desaparecimento é a história dos que ficam e têm de lidar com os destroços. Com a angústia de não saber o que aconteceu e com a dor de lidar com aquilo que entretanto sabem ter acontecido. E mais: que têm de saber lidar com as teorias de quem não conheceu nenhum dos intervenientes, mas que mesmo assim não tem qualquer pudor em levantar dedos acusadores, transformando em menos que miseráveis as vidas de familiares e amigos da vítima. Tudo isto é tão real, tão próprio dos nossos tempos que terminamos a leitura boquiabertos com a pertinência da história. Mas, sobretudo, fechamos o livro embaraçados com as opiniões escusadas que já emitimos; com os dedos que também já apontámos e que aumentaram em muito uma dor que já existia; com as teorias da conspiração que desenvolvemos e com o orgulho que sentimos por considerarmos que nós é que sabíamos a verdade e que ninguém era capaz de nos enganar. Terminamos a leitura com a sensação de que a vida agora, infelizmente, também é aquilo. Mas também é um passeio de bicicleta pelo campo. E também é a amizade. No fundo, este livro, mostrando o ser humano como ele é, tem muitas coisas dentro de si. Eu diria ser quase um livro sem fim de tanto que é capaz de nos fazer pensar sobre o que somos para os outros (e mesmo para nós mesmos). Quem o lê como deve ser tem de sentir-se levado a pensar sobre o modo como lidamos com os outros e com a sua dor. Se não o fizer, não leu verdadeiramente esta novela gráfica.

Os desenhos de Nick Drnaso são de uma simplicidade comovente. No fundo, mais do que a perfeição dos bonecos, importam-nos a história, as personagens, o que com elas se passa. Ainda assim, existem detalhes que saltam à vista. Os facto de tudo ser tão simples, tão limpo evidencia precisamente qualquer aspecto mais incomum. Portanto, podemos dizer que texto e desenho se complementam muito bem e que a simplicidade do traço serve perfeitamente o objectivo do autor que, note-se, é um jovem de trinta anos com uma sensibilidade incrível, como o livro demonstra bem.

Por tudo isto e pelo muito que poderíamos dizer sobre esta novela gráfica, aconselho-vos vivamente este livro. Lê-se num instante e não nos deixa indiferentes. Leva-nos a um mundo que, sendo o de Sabrina, é, afinal, o nosso. A boa literatura é isto mesmo e é sempre tão bom encontrá-la. Sabrina foi uma das melhores leituras que fiz nos últimos tempos e, portanto, achei que devia partilhar este título convosco. Espero que gostem tanto como eu.

Nota: A imagem da capa saiu da página da Wook.

1 comentário:

  1. A menina deste lado quer imenso este livro. Imenso! Especialmente depois desta tua opinião.

    (a mãe do menino espanhol é o Mersault)

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