domingo, 26 de agosto de 2018

Eu sou velha o suficiente para... V

Eu sou velha o suficiente para recordar-me de que, de tempos a tempos, lá aparecia uma desgraçado carregado com listas telefónicas para deixar à porta de cada um dos apartamentos do prédio onde vivia com os meus pais. Vinham de lá as Páginas Amarelas, para estabelecimentos comerciais e afins, e as Páginas Brancas, com os telefones (fixos) dos habitantes da Amadora e de Sintra. Cada casa só tinha direito à lista telefónica da sua zona. Se precisasse de consultar a lista com os telefones do Porto, por exemplo, tinha de pedir onde ela estivesse disponível. 



Os cafés também tinham listas telefónicas. Bom, a bem da verdade eu ainda sou do tempo em que nem todos tínhamos telefone fixo e, por isso, quando se ligava para a aldeia, telefonava-se para o café e pedia-se para se chamar a pessoa com quem se queria falar. Ou então deixava-se o recado de que ligariam para lá no dia seguinte à hora tal e que convinha que ela lá estivesse. Mas isso dava toda uma outra quixotada.

As listas telefónicas eram uns calhamaços carregados de números que raramente serviam para alguma coisa ao cidadão comum. De quando em quando, sendo preciso um médico de determinada especialidade ou um canalizador, as Páginas Amarelas ainda davam algum jeito. A outra lista telefónica, a dos números pessoais e estabelecimentos da nossa zona, nunca era aberta. Geralmente tínhamos os contactos das pessoas com quem costumávamos falar, pelo que a lista não tinha utilidade nenhuma. 

Não sei de quantos em quantos anos nos entregavam as listas, mas lá eram substituídas ao fim de algum tempo. Era um desperdício de papel, mas era o que havia na altura. Em determinado momento passou a ser mais prático ligar para as informações (118) e pedir um número de telefone. Porém, as listas lá iam aparecendo à nossa porta e alguém era pago para as entregar. Mais um emprego que foi à vida com o desenvolvimento tecnológico. Mais espaço nas nossas casas, que já não têm de arranjar lugar para aqueles enormes calhamaços. 

No outro dia lembrei-me disto e até senti uma certa nostalgia. As listas deixaram de aparecer e nem demos pela falta delas. Como tudo o que foi mudando, tudo o que foi saindo de cena e substituído por algo melhor, não demos por nada. Abraçámos a mudança e pronto. Esquecemos como era antes para sabermos como é agora. E, mudando tudo cada vez mais depressa, vamos esquecendo cada vez mais rapidamente a realidade das coisas antes de as novas coisas chegarem. 

E afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.

                                  Luís de Camões

3 comentários:

  1. Ainda me lembro de ir à lista telefónica à procura dos números de colegas meus LOL bons tempos xD

    Beijinhos,
    O meu reino da noite | facebook | instagram | bloglovin

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu fazia o mesmo. Acho que, secretamente, todos o fazíamos. Era para o que aquilo servia. :) Beijinhos.

      Eliminar
  2. Realmente na cidade presumo que as pessoas ligassem apenas para quem conheciam bem (e de quem tinham o número de telefone) mas eu vivia na Vila (ainda vivo mas sem listas telefónicas) com cerca de 3000 habitantes (?) e portanto o meu pai que ainda hoje acha que conhece toda a gente volta não volta ia à lista ver o número do Sr. Zé da Esquina ou da Sra. Miquelina de mais acima. A pessoas conhecem-se o suficiente para ligar mas não o suficiente para ter o contacto apontado em casa. Agora só se encontram no Facebook, suponho :)
    Outra memória simpática das listas telefónicas eram que me serviram muitas vezes de almofada para chegar à mesa da cozinha, quando as cadeiras ainda eram muito baixas para os meus poucos metros de altura.

    Bons tempos, beijinhos.

    ResponderEliminar