As Minhas Quixotadas
terça-feira, 22 de junho de 2021
Começando…
terça-feira, 8 de junho de 2021
O País dos Outros - o balanço
O País dos Outros inicia um conjunto de três livros que seguirão a história da família de Mathilde, uma mulher francesa que, por amor, vai viver para Marrocos com Amine, o homem por quem se apaixona e com quem acaba por casar. A história começa em 1947 com a chegada do casal à quinta que Amine herdou do pai e da qual vai cuidar ao longo dos seus dias, com a ajuda de Mathilde, a quem cabe enfrentar o desafio de ser sempre a estranha desenraizada que representa o país opressor num território colonizado.
Amine, marroquino, lutou na guerra pelo lado francês e foi enquanto militar condecorado que conheceu Mathilde. Apaixonaram-se e, com a bênção do pai dela, casaram-se. Se ficassem em França, Amine seria um estranho lá. Mudando para Marrocos, foi Mathilde quem desempenhou esse papel. Vinda do país da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, adepta de valores ocidentais muito distintos dos que foi encontrar no país do marido, o choque era inevitável. E o que Leïla Slimani faz com grande mestria é mostrar ao leitor que, embora tenha sido Mathilde quem se desenraizou e mudou para os antípodas daquilo que era a sua vida até então, toda a família ficaria sempre marcada pela diferença. Ninguém encaixa verdadeiramente, ninguém encontra o seu lugar. Mathilde porque é francesa, alta, loura, de olhos verdes, num país de cabelos e pele escuros, onde muitos odeiam cada vez mais os franceses por lhes recordarem a opressão; Amine porque casou com uma estrangeira, uma mulher que não veste o que as outras vestem, que quer ser independente, que não cozinha o que as outras mulheres cozinham, que não encaixa naquele lugar; os filhos do casal porque são franco-marroquinos, ou seja, resultado de uma mistura que não é bem entendida. Todos ficam num limbo difícil de definir e todos passam o tempo a tentar perceber a que lugar pertencem, quais os seus credos e como podem mantê-los quando são diferentes dos dos outros.
Em torno deste núcleo familiar, outras personagens aparecem e permitem estabelecer a medida do contraste entre Mathilde, Amine e os outros. A família de Amine, por exemplo, tem à sua frente a matriarca, uma mulher envelhecida que segue os costumes do lugar, que se anulou numa sociedade de homens, que passou anos sem sair de casa, espreitando o mundo sorrateiramente como se cometesse um crime. Tem também um irmão, Omar, que se radicaliza na luta pela independência de Marrocos e que entra num mundo muito perigoso de atentados e mortes. Tem uma irmã mais nova que nasceu quando Amine já era adulto. Selma representa o desejo de evasão. Se Mathilde casou com quem quis e foi para Marrocos, Selma quer sair de Marrocos e fazer também o que quer. Quer vestir outras roupas que não as que lhe são impostas, quer divertir-se, quer fugir do jugo dos irmãos que constantemente a recordam do que não pode fazer. Quer, sobretudo, não ser como a mãe e viver à sombra de homens - primeiro o marido e depois os filhos -, deixando para trás qualquer vestígio de vontade própria, de ambição ou mesmo de autoestima.
O livro vale a pena, a tradução de Tânia Ganho também. Se é verdade que os livros transportam os leitores para os lugares e tempos das histórias, então esta será uma viagem diferente, mas muito rica. Há neste livro realidades muito distantes da nossa e vale a pena conhecê-las. Boas leituras.
sábado, 5 de junho de 2021
A senhora que se segue
segunda-feira, 31 de maio de 2021
A Champions e as quadras dos manjericos
Como professora, uma das coisas mais difíceis de gerir foram as exceções. Se durante uma aula o Joãozinho pedia para ir à casa de banho porque estava aflitinho e lho permitia, como poderia depois dizer que não aos quinze alunos seguintes que iam fazer o mesmo pedido? Não podia. Se permitia à Aninhas que entregasse o trabalho no dia seguinte porque o havia deixado em casa, como poderia na semana seguinte não abrir igual exceção a todos os alunos que se esquecessem do trabalho na data em que era suposto que o entregassem?
Foi disto que me lembrei quando vi o disparate que se passou no Porto por causa da final da Champions. Todos, à exceção do Secretário de Estado, vimos o que aconteceu e dificilmente consideraremos tal espetáculo um sucesso (os parâmetros do senhor devem ser diferentes, sabe-se lá). Ao ver tanta gente sem máscara, sem cumprir a distância de segurança e a consumir álcool na via pública (coisa que ainda é proibida, note-se), só conseguia pensar que dentro de poucos dias Portugal celebrará os Santos Populares e que dificilmente as pessoas conseguirão perceber que para elas não vai nada nada nada, mas que para os britânicos foi tudo.
Como é que se explica a um país que está com a vida parada desde março do ano passado que arraiais não, mas ingleses ao monte a fazerem da zona ribeirinha do Porto o que bem lhes apetecia sim senhor, venham eles? Que moral, que argumentos se podem apresentar? Já alguém disse na televisão que por uns fazerem não quer dizer que os outros também devam fazer. Claro, também usamos esse argumento com as crianças na escola. Lá porque o Zezinho foi à casa de banho duas vezes durante a aula por se estar a sentir mal, não quer dizer que agora toda a turma vá à casa de banho duas vezes em noventa minutos. Mas não nos livramos do «porquê?» da praxe. E eles fazem bem em perguntar. Assim como nós fazemos bem em questionar quem decide sobre os motivos para uma final que não nos dizia nada ser realizada em Portugal em plena pandemia, sabendo que muito provavelmente viria muita gente sem bilhete para viver a euforia de uma final pelas ruas e esplanadas da cidade. Ainda que a dimensão do disparate não fosse previsível, com certeza passou pela cabeça de alguém que alguma coisa poderia correr mal. É que se não passou, se efetivamente acreditavam que só viriam adeptos com bilhete nominal e mesmo em cima da hora do jogo, então fico mesmo preocupada com a ingenuidade desta gente que toma decisões.
E agora, como afinal até estamos em pandemia, Santos Populares não. Nem Marchas em Lisboa, nem Casamentos de Santo António, nem fogos de artifício no Porto. Para os portugueses que têm vivido tempos terríveis, nada.
Note-se que eu já esperava que este ano ainda não fosse o do regresso dos arraiais. Nunca acreditei que, apesar da descida do número de casos de infeção por Covid-19, e do desconfinamento, se permitissem eventos que normalmente agrupam milhares de pessoas por esses becos e ruelas de Lisboa (e um pouco por todo o país). O problema com tudo o que aconteceu é que agora é mais difícil aceitar a decisão e é, sobretudo, mais revoltante. Se não tivesse sido dada aos adeptos ingleses a oportunidade de realizarem a miséria de espetáculo que apresentaram em Portugal, talvez fosse só triste passar mais um ano sem estas festas. Mas se a exceção se abriu e se isto se permitiu, porque é que não podemos ter as nossas festas? Esta será a pergunta de muita gente.
Ah, mas a Champions foi ótima para o turismo. Os hotéis tiveram excelentes taxas de ocupação, o que é fantástico depois destes muitos e longos meses sem turistas. Então e quem ganha os seus tostões com os Santos Populares não merece também ganhar a vida? Aparentemente há dois pesos e duas medidas e é isso que nem os alunos nem ninguém entende bem. Houve a festa do campeonato português e, claro, torceu-se o nariz. Esperou-se que esta final que alguém achou ser ótimo realizar em Portugal corresse de outra maneira até porque normalmente se aprende com os erros. Hum... Não. Por cá temos problemas de aprendizagem e repetimos a mesma asneira com poucas semanas de intervalo. Com jeito até a ampliamos.
Percebo que a final da Champions tenha trazido dinheiro à cidade do Porto. Esse dinheiro fazia muita falta a quem teve os negócios parados. Percebi a euforia dos adeptos do Sporting no final do campeonato, ainda que tenha detestado ver as imagens de pessoas que, sem máscara e ao monte, pareciam não viver no mesmo país onde até há poucos meses contámos em dias sucessivos centenas de mortes causadas pela Covid-19. Também percebo a tristeza dos que esperavam fazer dinheiro com os Santos Populares; percebo a sua indignação; mas também percebo a decisão de não fazer as festas. Porém, aquilo que percebo melhor, é que cada vez que se abrem exceções - seja para estrangeiros ou portugueses - abrem-se caminhos para que as pessoas, cansadas de todos os sacrifícios que têm feito, comecem também a relaxar e a fazer como as crianças: «se ele pode, eu também posso.» E depois? Multas? Quantos adeptos do Chelsea ou do City foram multados?
Vamos ver o que nos espera, mas pelo sim pelo não compremos um manjerico e ponhamo-lo à janela. E se quisermos mesmo ter um gostinho dos Santos, podemos pôr-lhe uma quadrinha ao lado. Deixo-vos umas propostas:
Meu querido Santo António português,
Meu querido Santo dos enamorados,
Arranja-me uma casinha maior do que um T3
que pelos vistos voltaremos a estar confinados.
Ainda não vi mana e sobrinhos em 2021,
vi o meu pai duas vezes e mal.
Mas parece que não há problema nenhum
desde que a Champions faça cá a final.
E agora o pessoal queria festa e sardinhada,
queria música, arquinhos e balões:
só que parece não vai levar nada
quem levou tudo foram os bretões.
O manjerico basta regar e pôr ao luar
e desde sempre é o povo que o diz.
Mas este ano não vai dar para o cheirar:
ai de vocês que a máscara saia do nariz!
A ver se amanhã vou comprar um vasinho
para celebrar as festas populares de Lisboa
e se ao manjerico não sentir o cheirinho
juro que ofereço a penca à zaragatoa.
Pronto, este foi o contributo do blogue As Minhas Quixotadas para as vossas festas. Espero que gostem.