quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A Menina Quer Isto LXXXII


Li uma entrevista do autor na última edição da revista LER e fiquei com muita vontade de ler este livro. António Araújo começou por querer ver as diferenças na cultura de esquerda e de direita, até que se apercebeu que maior do que essa diferença era a que existia (e existe) entre a cultura das elites e a cultura das não elites. Gosto de ler sobre este tema, sobre o modo como a cultura é entendida por intelectuais e pelas massas, bem como o modo como uns tendem a ignorar os gostos culturais dos outros. Lipovetsky tem trabalhado muito o tema da cultura que se alarga a outros que não os do costume e Mario Vargas Llosa também já fez a sua reflexão sobre as mudanças que têm acontecido no âmbito cultural, no modo como alguma coisa é considerada bem cultural (algo que deixou Llosa louco por lhe parecer que basicamente se anda a ver como cultura aquilo que está bem longe de o ser). Neste livro, a questão é tratada do ponto de vista português, o que lhe confere alguma graça. Gostei de ler a entrevista porque referia, por exemplo, o fenómeno José Rodrigues dos Santos por ser constantemente ignorado pelos intelectuais (cultura das elites), querendo ele entender-se a si próprio como um intelectual, embora pretenda também ser um best seller e, assim, chegar e muito às não elites. Ou seja: é como se isto da cultura fosse um jogo em que participam duas equipas que nem sequer querem jogar uma com a outra. As elites querem continuar com as suas óperas, os seus clássicos, as suas visitas aos museus onde estão as melhores obras de arte e as não elites querem estar sossegados com o Tony Carreira no Meo Arena e com o José Rodrigues dos Santos e o Domingos Amaral na mala (a propósito, na entrevista, o autor do livro conta uma história deliciosa sobre o escritor Domingos Amaral, autor de alguns romances históricos, e que nos leva a pensar em algumas coisas que os romances deste tipo nos tentam vender como verdades). Por isso a menina quer isto porque tem muita piada ver como (e contra mim falo) tendemos sempre a olhar de lado as escolhas dos outros, achando que as nossas são melhores e que o resto nem interessa.

6 comentários:

  1. Soube do livro pelo Malomil e o livro também me interessou. O de Llosa que referes achei bom e bastante explicativo.

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    1. O autor é o editor do blogue Malomil. O livro parece muito interessante. Li as primeiras páginas na Wook e estou cheia de vontade de ler o resto. O Llosa sofre muito com isto da alta cultura misturar-se demasiado com a baixa cultura. Aquilo até lhe faz comichões.

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  2. Sim, sim eu sei :) Mas foi pelo blogue que fiquei a saber dolivro.
    Llosa deve ter erupções cutâneas com as divergências sobre cultura. Todavia, até certo ponto, entendo-o, e também há que olhar para a idade que ele já tem e tudo o que daí advém. Tem livros que são pérolas, para mim, claro.
    Hoje temos celebridades a escreverem livros (que nem escrevem) que estão nos tops, livros desprovidos de conteúdo e que vendem imenso em detrimento de outros.
    Não me descabelo com quem lê o quê, viver e deixar viver, mas interrogo-me muitas vezes sobre a razão de se lerem certos livros.

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  3. Também compreendo o Llosa. A mim também me causa certa urticária o modo como alguns livros ou alguma música entra na categoria de cultura. E, mais ainda, tal como dizes, como podem ser esses os mais vendidos enquanto o que é inegavelmente bom fica na prateleira a apodrecer. Por vezes, ando pelos blogues e cruzo-me com blogues de pessoas que gostam de ler e de falar dos livros que lêem, mas que apresentam cada livro pior que o anterior, daqueles que até vêm em saquinhos de rendinha e tudo. Depois dizem que é um livro fácil de ler. Pudera! Eu admirava-me era se existisse algum tipo de dificuldade na leitura dessas historietas. Mas lá está, cada um lê, vê e ouve o que quer, assim como eu o faço. Contudo, não deixa de ser muito interessante esta diferença de gostos que deixa uns à beira do vómito e os outros a achar tudo uma «seca».

    Quanto ao motivo por que se lêem certos livros, acho que as pessoas gostam de se comprometer pouco com o que lêem. Assim, lêem coisas levezinhas, histórias que emocionam porque se passam em circunstâncias plausíveis, mas que não chateiem muito. Que tenham diálogos, poucas descrições e uma acção sempre a evoluir é o que querem. Mesmo que leiam a mesma história contada vinte vezes de vinte maneiras diferentes pelo mesmo autor, não se importam nada. O que interessa é que não faça doer o cérebro e que seja «bonito». Há gostos para tudo.

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    1. Tocaste na questão dos blogues de quem gosta de ler. Por vezes também entro num que me leva a outros e fico pasma com o que lêem.
      São blogues sobre literatura, atenção!
      Escrevem sobre livros de auto-ajuda, que, tal como o nome demonstra, só ajuda quem os escreve, sobre livros que lhes são enviados para publicidade, sobre tanta lixarada. E sim, tudo muito fácil de ler, e já escritos pela enésima vez. Para além disso, encontro pérolas como esqueÇer, por exemplo. Clico na cruzinha que está no canto superior direito e até nunca mais.

      lembro-me de ler uma entrevista de Lobo Antunes em que dizia ter ido à Gulbenkian comprar livros, entre eles Diderot. Ao perguntar quantos de Diderot vendiam, responderam-lhe três, salvo erro. Não se preocupou porque diz que são long-sellers. E concordo. Temos livros que apesar das modas continuarão a ser lidos, sempre. Isso a mim conforta-me.

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    2. Exactamente. Os bons livros, os que sobreviveram ao tempo, vão continuar a ter leitores. Tenho pena é de que alguns bons livros, que ainda não tiveram a hipótese de sobreviver ao teste do tempo, possam ficar esquecidos no meio do muito lixo que se publica e que tanto se compra.

      Muitas pessoas parecem contentar-se com pouco e ter nenhum espírito crítico para poder afirmar que um determinado livro é um disparate pegado. Lêem, dizem que é giro e seguem para o próximo. Gostam, como disse antes, de que a leitura seja fácil, cheia de diálogos e pouco profunda. Historietas da tanga, mastigadas e cuspidas (perdoa a imagem) vezes e vezes sem conta até à náusea. Rapariga conhece rapaz, rapaz ama rapariga, rapariga adoece e morre, rapaz solta uma pomba branca em homenagem à amada. Fim. Rapariga é adoptada, rapariga tem adolescência revoltada, rapariga procura pais biológicos, pais biológicos são nojentos, rapariga perde mãe adoptiva, rapariga arrepende-se de não lhe ter dado mais valor, rapariga deixa flores na campa. Fim. Família tem um cão, o cão faz disparates, o cão morre de velhice. Fim. E assim sucessivamente. Já para não falar da auto-ajuda, essa trampa em formato de livro: se você quer ser feliz, tem de pensar positivo para que a sua energia positiva lhe traga objectivos cumpridos. Fim. Viver é como voar: começa por «v». Fim. Uma estupidez pegada que eu considero um insulto à inteligência dos seres humanos. A coisa irrita-me ao ponto de quase desejar uma inquisição para quem escreve e lê essa porcaria! E para os bloguers que ajudam a divulgar esse lixo. Fogueira com eles e com os livros!

      Eu percebo que tem de haver de tudo para todos os gostos e que, infelizmente, nem todos temos as mesmas capacidades, blá blá blá. Mas muita gente tem inteligência e capacidade suficiente para ler bons livros e escolhe sucessivamente ler «caca». Porque é mais fácil, porque é o que a maioria lê e os maus exemplos pegam-se, porque, como disse, o espírito crítico não foi muito treinado para distinguir o trigo do joio. Mas quando vejo blogues de gente que até diz gostar de livros e de ler a fazer recensões de livros que são, como diria o Alencar n’Os Maias, puro «excremento», mas dando-lhes avaliações muito positivas fico possessa. Faço como tu: fecho a página e esqueço que tal blogue existe. E agora alguém dirá: «és uma pedante, faço o mesmo com o teu blogue». Bom, podem fazer, porque sei que não posso agradar a todos, mas pedante não sou: tenho é bom gosto quanto aos livros. Sou é um bocadinho pindérica com os sapatos, mas isso é outra coisa. Ahah. A sério, gente desta vida, leiam coisas boas e deixem-se de Greys de chicote, de casamentos em que morre sempre um, de vampiros com acne da adolescência e coisas parecidas. Há tantos livros bons que se lêem sem sofrimento, para quê andar a mastigar o que já foi tão mastigado??? Que nervos!

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