quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Precisa-se de código CAE

Hoje descobri uma nova profissão possível: comentador de notícias na internet. Já toda a gente sabe que comentar notícias que nos aparecem no feed do Facebook não é para todos. Convém ter um repertório de palavrões bastante desenvolvido; uma irritabilidade bem à flor da pele; a capacidade de criar insultos novos apenas pela junção de palavras que de modo isolado até são inócuas, mas que unidas a outras se transformam em verdadeiros calhaus metafóricos (incluir a palavra “mãe” nunca falha); uma total falta de domínio da interpretação textual; uma coragem excepcional apenas se se tratarem de comentários pela internet e fora de qualquer contacto visual; uma revolta interior para com o mundo e para com as pessoas, aliada geralmente à percepção de que a própria vida é uma porra e a dos outros é excelente. Quando todas estas características se juntam, nasce um comentador de notícias e o mundo fica mais rico.

Hoje apareceu-me na cronologia do Facebook uma notícia da Visão. Li-a atentamente e, chegando ao final da página, pude ver os comentários deixados a tal texto. O primeiro era nitidamente de uma amadora nisto de comentar notícias: era educada, o que dizia fazia sentido e não escrevia como um troll. Resultado: fiquei desapontada. Pensei que ler comentários a notícias já não era tão emocionante como antes e preparei-me para regressar ao Facebook. Mas, nesse momento, num lampejo de sorte, os meus olhos desceram um pouco, olharam para o fundo da página e depararam-se com um comentário ao primeiro comentário que era bom, muito bom.

Este é um blogue familiar e portanto vai reprimir a vontade de reproduzir o comentário. Mas pode tentar parafraseá-lo. Ora, se o primeiro era, como dizia, educado, adequado ao conteúdo da notícia, bem escrito e ponderado, esta primeira resposta dizia qualquer coisa como “E se fosses fazer um movimento de sucção ao órgão genital do teu progenitor? Os indivíduos que se dedicam à res publica são todos idênticos entre si.” (note-se que a notícia nada tinha que ver com política...). Tudo isto escrito como se todo o analfabetismo do mundo se concentrasse num só ser e saísse do teclado do computador numa explosão de erros ortográficos, sintáticos, morfológicos e lexicais, semelhante a uma orgia entre os capítulos da gramática. Uma pérola, portanto.

Ora, eu, criatura preocupada com o mundo e com a evolução da sociedade, dei por mim a pensar que chegar a este ponto de ordinarice, desadequação e imbecilidade não é para todos. Exige anos e anos de apuramento. No fundo, exige selecção natural. Quantos comentadores wannabe ficaram pelo caminho por serem incapazes de mais do que um “A tua progenitora!” ou um “Vai tomar no orifício por onde são expelidas as fezes!” (que, realmente, é muito fraquinho)? Quantos?! São vidas desfeitas, senhores. Mas felizmente há os outros: os que ligam os computadores de manhã, correm para os jornais e as revistas, procuram notícias para comentar ou comentários aos quais responder, trabalham arduamente para mostrar o que de mais belo existe no mundo online: a liberdade para insultar o próximo gratuitamente, sem qualquer razão, e com erros. É lindo e quase me faz chorar.

Por isso, penso escrever amanhã uma carta ao Ministro das Finanças onde expresse a necessidade imperiosa de se criar um código CAE para esta nobre profissão que vem despontanto há alguns anos na internet, mas que ainda não foi devidamente considerada. Ser comentador de notícias deve ser motivo de orgulho, pois exige esforço. Juntar palavrões de modo a gerar um insulto inimaginável (e por vezes estranho do ponto de vista anatómico e ético) a alguém que não conhecemos e não nos fez mal nenhum é de génio e é capacidade que leva anos a ser apurada. Conseguir desviar totalmente do tema da notícia e fazer um comentário que deixe o leitor a pensar no que raio tem uma coisa que ver com outra é só para profissionais! Mas o mais difícil é ser capaz de fazer um comentário tão poderoso que o leitor vai lembrar-se mais facilmente dele do que da notícia (que foi o que me aconteceu hoje). Por favor, senhores das Finanças, dêem um estatuto profissional a esta gente porque o que eles fazem é do "órgão sexual masculino em calão”!

1 comentário:

  1. Essas criaturas são fenomenais. São a coisa mais divertida e sábia e nem sei mais que lhe chamar, porque nem há palavras para a descrever.
    Mas vamos admitir, quem fala (escreve) assim não e gago e já tens anos de experiência. Já dizia Mark Twain, "Never argue with stupid people, they will drag you down to their level and then beat you with experience".
    ***

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