domingo, 6 de julho de 2014

Eu sou velha o suficiente para... II

Eu sou velha o suficiente para lembrar-me daquela atividade estúpida a que dávamos o nome de "toques". E o que eram os "toques"? A menina explica. 

Na década de noventa e durante alguns bons anos do novo milénio, as mensagens escritas eram maioritariamente pagas e, diga-se, pagavam-se bem. Não havia cá planos, como há hoje, em que se paga um determinado valor às operadoras de telemóveis e depois é falar até cair. Ainda me lembro do tempo em que uma mensagem escrita custava vinte cêntimos. Assim sendo, que sistema as pessoas utilizavam para mostrar umas às outras que se tinham lembrado delas? Os "toques". Agiam como se fossem fazer um telefonema, mas desligavam ao primeiro toque. A chamada ficava registada no telemóvel do destinatário e era uma alegria. 

Esta moda estúpida era particularmente apreciada pela população adolescente. Geralmente sem saldo nos cartões, deixavam sempre uns pozinhos de saldo suficientes para dar toques para todas as redes. O "toque" era uma espécie de "olá" e quando eram dados entre rapazes e raparigas eram merecedores de múltiplas leituras. Geralmente, os intervalos dos dias de escola (e mesmo as aulas) serviam para os grupos de amigas avaliarem os níveis de interesse de um determinado rapaz através dos toques e das horas a que os dava. Era uma ciência.

Havia pessoas que gostavam de, de tempos a tempos, correr toda a agenda com toques. E ainda havia pior: existiam alminhas que davam toques a horas obscenas só para mostrar que estavam acordadas até tarde. Era de bradar aos céus: uma pessoa a dormir e a receber um toque às três da manhã da pessoa X ou Y porque ela queria que o mundo soubesse que "é tarde, mas sou rebelde por isso estou acordada e vou dar-te um toque para acordares também e saberes que me lembrei de ti e que estou acordada a estas horas". Toparam? Pois, nem eu.

Mas era assim nos bons velhos tempos. Nos tempos em que não havia cá Facebooks e likes e coisas afins. Os "toques" eram quase uma espécie de rede social codificada e cada adolescente era uma espécie de detective dos "toques" que procurava incessantemente perceber os significados ocultos de cada um. Na verdade, no meio de tanta parvoíce, a coisa cimentava amizades e ocupava-nos o tempo e a cabeça. Claro que havia sempre os atrasados mentais que abusavam da coisa e que até a transformavam em algo que hoje seria stalking, mas em quantidades saudáveis tinha a sua graça. Tinha. Não venham com ideias de ressuscitar a coisa. 

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